segunda-feira, 24 de setembro de 2012

“Em Defesa da Escola Pública no Oeste”


Eis o texto que resume a audiência na Câmara Municipal, no dia 21 de Setembro. Este texto vai ser enviado para publicação nos jornais locais.


No dia 21 de Setembro de 2012, a comissão de representantes do movimento “Em Defesa da Escola Pública no Oeste” foi recebida pelo senhor presidente da Câmara de Caldas da Rainha, Dr. Fernando Costa, e pelo vereador com o pelouro da Educação, Dr. Tinta Ferreira.

Nesta audiência, a comissão reiterou as suas preocupações no que diz respeito à rede escolar no concelho de Caldas da Rainha. Assim, foram apresentados, aos dois representantes camarários, os números relativos à distribuição de turmas pelas escolas públicas e pelos estabelecimentos do ensino particular e cooperativo. 
No presente ano lectivo, a rede escolar de Caldas da Rainha, ao nível do 2.º e 3.º ciclos e ensino secundário, é constituída por 210 turmas, distribuídas pelas 5 escolas e 2 colégios da seguinte forma: Escola Secundária Rafael Bordalo Pinheiro - 39 turmas; Escola Secundária de Raul Proença – 39 turmas; EBI Santo Onofre – 23 turmas; EB 2,3 D. João II – 34 turmas; EBI Santa Catarina – 15 turmas; Colégio Rainha D. Leonor – 43 turmas; Colégio Frei Cristóvão – 17 turmas. 
Os números apresentados dizem respeito ao ensino diurno e incluem as turmas do chamado Ensino Regular, dos Cursos de Educação e Formação (CEF) e dos Cursos Profissionais. O Ministério da Educação, num documento elaborado como resposta a uma solicitação de dois deputados da Assembleia da República, previa a abertura de 206 turmas para o ano lectivo de 2012-2013, apontando o número de 162 turmas como a capacidade total das 5 escolas públicas caldenses.
Tendo apenas estes dados como referência, verifica-se desde logo que existem 12 turmas a menos nas escolas públicas, uma situação que a comissão considerou extraordinariamente grave porque este facto significa que o Estado português está a gastar 920 000 euros desnecessariamente (85 000 euros por turma), pagando esse valor ao grupo privado GPS, que detém os dois colégios, deixando, ao mesmo tempo, professores do ensino público com horário zero e não rentabilizando convenientemente os espaços disponíveis nas escolas públicas. Neste último aspecto, foi recordado o avultado investimento feito pelo Estado na Escola Secundária Rafael Bordalo Pinheiro que, em 2010/2011, foi requalificada no âmbito do Programa de Modernização do Parque Escolar Destinado ao Ensino Secundário. Segundo informação da Parque Escolar, empresa pública tutelada pelo Ministério da Educação, a capacidade prevista para esta escola é de 65 turmas. Ora, neste ano lectivo, a escola tem apenas 39 turmas, verificando-se, assim, um significativo subaproveitamento das estruturas e dos recursos aí existentes. Ignorando o investimento feito, o Estado continua a encaminhar e a financiar turmas no colégio Rainha D. Leonor, optando por não rentabilizar recursos que, em virtude das obras de requalificação, são significativamente superiores.
O vereador Tinta Ferreira afirmou que a Rafael Bordalo Pinheiro é, de facto, uma das escolas que mais o preocupa. Considera, no entanto, que a sua taxa de ocupação não é assim tão reduzida e insistiu na necessidade da permanência dos dois colégios neste concelho, uma vez que nas escolas públicas não há lugar para todos os alunos.
Contabilizadas estas 26 turmas em falta, a comissão entende que a capacidade total das escolas públicas caldenses será, então, de 188 turmas, e não de 162 turmas, tal como foi indicado pelo Ministério da Educação. Neste caso, o total de turmas em falta nas escolas públicas (e, consequentemente, a mais nos colégios) é, então, de 38. Este número significa que o Estado português está a gastar, só no concelho caldense, neste ano lectivo, com os contratos de associação, qualquer coisa como 3 230 000 euros a mais! Trata-se de muito dinheiro que, devidamente investido na escola pública, significaria uma gestão correcta e racional da verba proveniente do Orçamento de Estado, ao mesmo tempo que eliminaria a situação de professores com horários zero no concelho, criando-se, inclusivamente, condições para a abertura de lugares nos quadros de escola para os docentes que, legitimamente, há muito ambicionam trabalhar em Caldas da Rainha.
Sendo assim, e respeitando a legislação vigente, que destaca claramente que os contratos de associação só devem ser celebrados em zonas de carência de oferta pública, a contratualização com o ensino privado, sobretudo no que diz respeito ao Colégio Rainha D. Leonor, deveria ser significativamente menor, única forma de repor a lei e de rentabilizar os espaços e os recursos humanos disponíveis, sobretudo neste período de acentuada crise financeira. 
A comissão apresentou, mais uma vez, como exemplo de uma forma estranha de determinar a carência de oferta educativa na rede de escolas públicas (exigência legal para a celebração de contrato de associação com uma escola privada) o facto de, num ano lectivo anterior, uma turma do 10.º ano do curso de Ciências Sócio-Económicas ter sido “desviada” da escola pública para o colégio Rainha D. Leonor, deixando naquela escola (Rafael Bordalo Pinheiro) não a carência de oferta educativa, mas a carência dos alunos, que lá tinham lugar, e professores sem horário.
Além da Escola Secundária Rafael Bordalo Pinheiro, também a Escola Secundária de Raul Proença, a EBI de Santo Onofre e a EB 2,3 D. João II se encontram a funcionar com um número inferior de turmas em relação às suas capacidades físicas. A comissão recordou que, antes da abertura dos estabelecimentos particulares no concelho, todas as escolas públicas já tinham funcionado com muito mais turmas e não foi por essa razão que a qualidade do ensino ministrado foi menor. Uma das razões para a construção de uma nova escola pública na cidade (na primeira década deste século) passava, inclusivamente, pela possibilidade de se terminar com o regime de desdobramento de turmas na EBI de Santo Onofre e na Escola Secundária de Raul Proença. Neste momento, as duas escolas continuam a funcionar neste regime, o que prova que poderiam existir o mesmo número de turmas e o mesmo número de alunos de há cerca de 7 ou 8 anos.
O doutor Tinta Ferreira afirmou que possuía a informação que as escolas públicas do concelho se encontravam quase no limite das suas capacidades e referiu que o objectivo da autarquia, em termos de rede escolar, é conseguir um equilíbrio entre as escolas do concelho, estando os dois colégios incluídos.
A comissão discordou, defendendo que os alunos que estão a ser encaminhados para os colégios têm lugar nas escolas públicas, pelo que é uma prioridade garantir o cumprimento da lei e evitar o desperdício de dinheiro público que agora se verifica.
. Segundo o vereador da educação, é preciso distinguir tanto a EBI de Santa Catarina como o Colégio Frei Cristóvão porque servem regiões específicas e apresentam um número de turmas estável ao longo dos últimos anos lectivos. Para o doutor Tinta Ferreira, as duas escolas secundárias e a EB 2, 3 de D. João II encontravam-se, no ano lectivo de 2011-2012, perto de atingir a sua capacidade máxima, verificando-se que a EBI de Santo Onofre era aquela que apresentava alguns problemas em termos de número de alunos e de turmas.
A comissão de representantes não concordou com a opinião do doutor Tinta Ferreira no que diz respeito aos números apresentados, e recordou que só nas duas escolas secundárias existem 6 turmas a menos no presente ano lectivo (tendo apenas em consideração os números divulgados pelo Ministério da Educação), aos quais se junta um número indeterminado nas outras duas escolas públicas urbanas, originando a proliferação de “horários zero”, em professores do quadro com mais de 20 anos de serviço, e a não abertura de vagas nos diferentes grupos disciplinares (situação que se repete desde que foram inaugurados os dois estabelecimentos de ensino particular).
Foi ainda recordada a circunstância, já revelada numa audiência anterior, do aumento significativo do número de alunos a frequentarem o ensino particular e cooperativo (mais quinhentos nos últimos cinco anos), na mesma proporção da diminuição do número de estudantes nas escolas públicas. Esta constatação confirma, inequivocamente, que não tem havido, da parte da tutela, o devido cuidado na distribuição de turmas na rede escolar caldense. A comissão de representantes manifestou o desejo de saber quem toma estas decisões e quais as verdadeiras razões que estão na origem dessas decisões, sabendo-se que o interesse público está a ser desprezado, enquanto são claramente beneficiados os interesses privados. 
A comissão de representantes defendeu a ideia que um problema significativo, no que diz respeito à definição da rede escolar, reside no início do segundo ciclo (5.º ano de escolaridade), recordando que os alunos que completam o primeiro ciclo nas escolas pertencentes, agora, ao novo Agrupamento de Raul Proença, como a escola do bairro dos Arneiros, do bairro da Ponte, do Nadadouro ou da Foz do Arelho, têm vindo a ser encaminhados para o Colégio Rainha D. Leonor. Contudo, e face à nova legislação, que criou os denominados “Mega-agrupamentos”, estes alunos deveriam permanecer no mesmo Agrupamento de Escolas ao longo do seu percurso escolar, transitando, preferencialmente, para a EBI de Santo Onofre (que também faz parte do novo Agrupamento de Escolas de Raul Proença) e, depois, no 7.º ou no 10.º ano, para a Escola Secundária de Raul Proença. Se estes alunos do primeiro ciclo, que iniciaram o seu percurso escolar numa escola pública, continuarem a ser encaminhados para o Colégio Rainha D. Leonor, a lei estará a ser desrespeitada e o próprio conceito de “Mega-agrupamento” deixa de fazer sentido. O Estado não pode legislar e depois furtar-se a cumprir essa mesma legislação.
O doutor Fernando Costa afirmou que o mais importante para a Câmara é o interesse público e não o interesse privado, mostrando-se, mais uma vez, preocupado com a situação e pedindo aos membros da comissão de representantes para que redigissem um documento contendo uma síntese daquilo que consideram ser os principais problemas com que se debate o ensino público no concelho.
Os membros da comissão mostraram a sua preocupação e indignação face ao conteúdo de uma reportagem da estação televisiva TVI (“Colégios ameaçam professores para trabalharem mais: medo instalado em escolas do grupo GPS”), emitida no Jornal das 8 do dia 20 de Setembro, em que foram reveladas as pressões a que estão sujeitos os docentes de colégios do grupo GPS para assinarem declarações em como aceitam trabalhar mais horas por semana do que as definidas por lei, sem que essas horas sejam pagas. Nesta reportagem faz-se referência aos muitos milhões de euros que estes colégios recebem do Estado por ano, valor que nem mesmo em época de crise o governo baixou. Os membros da comissão transmitiram aos representantes da autarquia a indignação e a revolta dos professores deste concelho perante a afirmação nesta reportagem de que “o colégio de Santo André, o de Miramar e outros dois em Caldas da Rainha receberam há dois anos do Estado cerca de 9 milhões de euros para leccionar alunos que não têm lugar em escolas públicas”. Os professores, cidadãos e contribuintes, que conhecem a realidade das escolas onde trabalham, sabem que Caldas da Rainha é um dos concelhos onde os milhões que estes dois colégios receberam, e recebem, do Estado, ou seja, “de todos nós”, não são para leccionar alunos que não têm lugar nas escolas públicas, mas sim para deixar as escolas públicas com cada vez mais lugares vazios. Esta notícia junta-se a muitas outras que têm sido reveladas na imprensa ao longo dos últimos anos e que indiciam que este grupo privado não respeita os direitos laborais dos professores. Significativamente, sempre que surge uma notícia ou uma reportagem sobre o que acontece de negativo, e de ilegal, nestes colégios privados, as respectivas direcções remetem-se ao silêncio. A comissão de representantes considera que estes acontecimentos deveriam ser devidamente investigados, pelo menos pela Inspecção Geral da Educação e pela Inspecção Geral do Trabalho, para que a verdade seja apurada e para que casos semelhantes não venham a repetir-se, quer no ensino privado, quer no ensino público.
Também uma carta de uma encarregada de educação de um ex-aluno do Colégio Rainha D. Leonor, publicada na edição de 21 de Setembro da Gazeta das Caldas, mereceu a atenção dos membros da comissão de representantes. O que aí está relatado revela que a direcção do estabelecimento de ensino particular e cooperativo procedeu de forma ilegal ao escolher oito alunos para saírem do colégio para uma escola pública. Segundo a mãe do aluno, o critério usado foi o da selecção dos “alunos mais fracos”, quando a lei estipula que, nestes casos, quem deve sair são os alunos que se matricularam pela primeira vez no estabelecimento de ensino. A comissão de representantes fez questão de destacar este assunto, pois considera que ele é revelador de uma linha de actuação que nada tem que ver com um dos princípios orientadores da escola pública: proporcionar igualdade de direitos e de tratamento a todos os estudantes. Ao invés, a preocupação dos responsáveis do colégio parece ser o de obter, custe o que custar, uma boa classificação nos rankings dos exames nacionais, uma forma de atrair mais encarregados de educação e mais alunos, conseguindo, assim, mais turmas, logo, mais dinheiro proveniente do Orçamento de Estado. Não custa, então, admitir que o interesse destes colégios privados é, tão-somente, o lucro, porque descartar “os alunos mais fracos” significa não só quebrar o compromisso assumido com o Estado, que os financia, de garantir o acesso ao ensino “no respeito pelos princípios da igualdade e da não discriminação e das normas aplicáveis às matrículas e renovações de matrícula”, mas também trair as bases de uma educação para a cidadania, pilar de um país e de uma sociedade ditos democráticos.
O doutor Tinta Ferreira defendeu que se deve procurar uma solução equilibrada para a reformulação da rede escolar do concelho e opinou que os dois colégios não podiam fechar nos tempos mais próximos porque isso provocaria uma situação semelhante à que se viveu antes da sua construção: a sobrelotação das escolas públicas. O mesmo vereador informou que estava a realizar um levantamento rigoroso da situação da rede escolar concelhia e que apresentará esses dados numa futura reunião na Direcção Regional de Educação e Vale do Tejo. 
A comissão de representantes agradeceu a disponibilidade demonstrada pelos doutores Fernando Costa e Tinta Ferreira e a atenção com que foram ouvidos os seus argumentos.



O Movimento “Em Defesa da Escola Pública no Oeste”

1 comentário:

Nilson Barcelli disse...

Quanto a mim, a vossa escola deve fazer 2 coisas:
1) Melhorar ao máximo a qualidade do ensino lá praticado;
2) Fazer uma campanha de informação à população, eventualmente mais dirigida às famílias que têm alunos na escola privada, para denunciar as fragilidades e vícios dessa escola.
Beijo, querida amiga.