Urbano Tavares Rodrigues considera o poema "De
Tarde" um "exemplo de arte parnasiana, narrativa e
plástica, desejosa de naturalidade e de plena consecução formal".
A primeira quadra é a introdução do poema. Nos dois
primeiros versos, o determinante demonstrativo "Naquele" (em +
aquele = contracção da preposição “em” com o determinante demonstrativo “aquele”)
e a forma verbal no Pretérito Perfeito o Indicativo "Houve"
remetem para o passado, instaurando a memória como meio de representação
poética. Nesta quadra introduzem-se ainda dois motivos que percorrem o texto: a
simplicidade "uma coisa simplesmente bela / E que, sem ter
história nem grandezas" e o carácter plástico da cena descrita
"bela", "dava uma aguarela"; a simplicidade e
o prazer estético aliam-se para justificar a descrição desta experiência vivida
pelo sujeito poético, como se confirmará na última estrofe.
O poema esboça uma narrativa. É possível
verificar a existência de categorias próprias do discurso narrativo, tais como:
espaço (campestre) - "um granzoal" (v. 7), "em
cima duns penhascos" (v. 9); tempo - "De tarde"
(título), "Pouco depois... /...inda o sol se via" (vv. 9-10); personagens
-"burguesas" (v. 1), "tu" (v. 5), "Nós"
(v. 10); acção - um "pic-nic" (v. 1), "descendo
do burrico, / Foste colher... (...) / Um ramalhete rubro de papoulas"
(vv. 5 a 8), "Nós acampámos (...) / E houve talhadas de
..." (vv. 9 a 12)
A utilização destes elementos narrativos permite a
criação de dois quadros: 1.º quadro (2.ª estrofe) - a burguesa, que desceu do
burrico, colhendo papoulas; 2.º quadro (3.ª e 4.ª estrofes) - o "pic-nic",
em cima dos penhascos, destacando-se a imagem do ramalhete de papoulas saindo
do decote da "burguesa".
Há sugestões pictóricas relativas a: linhas
- horizontal - o "granzoal" / vertical - os "penhascos";
volumes - "o ramalhete", "talhadas de melão",
"damascos", "seios"; cor - "granzoal
azul", "ramalhete rubro", "talhadas
de melão" / "damascos" (sugestão de tons amarelados), "todo
púrpuro", "a sair da renda / Dos teus dois seios"
(sugestão de branco). A descrição é feita com base em sensações, sobretudo
visuais: percepção visual explícita - cores, elementos do cenário
(melão, damascos), "inda o sol se via"; percepção
gustativa implícita - referência aos alimentos ( "E pão-de-ló
molhado em malvasia" ).
A musicalidade do poema é obtida através das rimas
(cruzadas), do ritmo dos versos e do recurso à aliteração: " A
um granzoal azul de grão-de-bico",
"Um ramalhete rubro de papoulas",
"E houve talhadas de melão, de damascos,
/ E pão-de-ló molhado em malvasia"
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