domingo, 5 de fevereiro de 2017

Minh'alma, de sonhar-te, anda perdida



Fanatismo

Minh‟alma, de sonhar-te, anda perdida (A)
Meus olhos andam cegos de te ver! (B)
Não és sequer razão de meu viver, (B)
Pois que tu és já toda a minha vida! (A)

Não vejo nada assim enlouquecida…(A)
Passo no mundo, meu Amor, a ler (B)
No misterioso livro do teu ser (B)
A mesma história tantas vezes lida! (A)

“Tudo no mundo é frágil, tudo passa…”(C)
Quando me dizem isto, toda a graça (C)
 Duma boca divina fala em mim! (D)

 E olhos postos em ti, vivo de rastros: (C)
"Ah! Podem voar mundos, morrer astros, (C)
Que tu és como Deus: princípio e fim!..." (D)


Florbela Espanca


Trata-se de um soneto, pois possui 4 quadras e dois tercetos, cujas estrofes são isométricas e isorrítmicas, fazendo com que seja uniforme entre si. Os versos são decassílabos, heróicos, com esquema rítmico binário, já que a tonicidade está na 6.ª e 10.ª sílabas: "Meus /o/lhos/ an/dam /CE/gos /de/ te /VER",


O esquema rimático das quadras é  ABBA, sendo, assim, rimas interpoladas em A e emparelhadas em B; nos tercetos, há o esquema CCD, sendo emparelhadas em C e interpoladas em D. Excepto os versos 12 e 13, em que rimam os nomes rastros/astros, as demais rimas são ricas. Nos versos 1, 4, 5, 8, 9, 10, 12 e 13, o ritmo dos versos é feminino e grave, nos demais, é masculino e agudo.

Recursos expressivos
Predomina a Aliteração da letra m.

Antítese: "cegos de te ver"; "princípio e fim".
Comparação: "tu és como Deus".
Repetição: "Tudo no mundo é frágil, tudo passa".
Metáfora: "misterioso livro de teu ser".
Prosopopeia: voar mundos; boca divina.
Hipérbole: "Pois que tu és já toda a minha vida"; Que tu és como Deus: princípio e fim!..."
Encadeamento: a ler - no misterioso livro do teu ser (vs. 6 e 7); toda a graça - duma boca divina fala em mim (vs. 10 e 11);



O sujeito lírico é uma mulher apaixonada que declara seu amor e que expõe com furor os seus sentimentos. Por meio de metáforas e hipérboles, o sujeito poético procura explicar a força do seu amor, um amor tão forte e avassalador que tomou conta da sua vida. A confiança do sujeito lírico na durabilidade e na permanência dos seus sentimentos é tão grande que ele chega a desdenhar daqueles que tentam alertá-lo para a fugacidade e efemeridade das coisas e dos sentimentos. 
O título do poema dá-nos a ideia da intensidade do sentimento - Fanatismo - que remete para a definição de um sentimento anormal, que beira a obsessão. O eu corrobora essa ideia no poema quando afirma que sua "alma está perdida‟, que seus olhos "andam cegos  de te ver" e ainda que anda "enlouquecida‟, e que ele, o objecto do seu amor,  já se tornou toda a sua vida: ‟Pois que tu és já toda a minha vida!".
O amor do sujeito-lírico é tão desmedido e irracional que assume ares de devoção religiosa no momento em que compara o ser amado a Deus, ou ainda, ao Deus da sua vida, que é o seu "princípio e fim". 
As características simbolistas presentes no trecho são o uso de várias figuras estilísticas (metáfora, comparação, hipérbole, paradoxo); o egotismo representado pelo amor exacerbado do eu que o impede de viver lucidamente e de ver o ser amado como pessoa de "carne e osso‟; a espiritualidade através da elevação do amor e do ser amado a um patamar superior às demais pessoas, alçando-o à condição de Deus.


Roberto Adam, 11.º ano

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