quarta-feira, 7 de maio de 2008

O outro caminho

Proponho-vos um conto de Sophia de Mello Breyner: História da Gata Borralheira. Aqui fica o resumo que vos preparei para aguçar o apetite!

História da Gata Borralheira

Este conto fala do primeiro baile de uma rapariga de dezoito anos, Lúcia. Esta foi ao baile com a tia, que era sua madrinha, numa mansão cor-de-rosa, na primeira noite de Junho. Apresentou-se com um vestido de seda lilás, muito feio e uns sapatos largos, fora de moda e em mau estado, com o forro azul roto nas biqueiras e com manchas de bolor. Durante a festa, sentiu-se como uma intrusa. Na sala de baile, voltou-se para o espelho e sentiu-se "afogada boiando numa água sinistra": o espelho era antigo, estava embaciado, manchado e verde. Estava pálida, precisava de um pouco de rouge, resolveu, então, ir ao quarto de vestir. Aí, encontrou uma rapariga que lhe disse que aquele género de espelhos era como as pessoas más, que não diziam a verdade. Lúcia não percebeu o que a rapariga queria dizer, aquela simpatia e aquela conversa irritaram-na, ficou desconfiada. Dirigiu-se para a sala e sentou-se numa cadeira ao pé da janela, semi-escondida atrás da cortina. A filha da dona da casa dançava com um rapaz alto, bonito e moreno. Quando a música acabou, a moça apresentou Lúcia ao rapaz. Depois de conversarem um bocado sobre aquela noite mágica, o rapaz, um tanto misterioso, lunático até, disse que noites como aquelas escondiam uma "angústia" por entre os brilhos, cores e perfumes... Seguidamente, convidou Lúcia para dançar e foi durante a dança que um dos sapatos velhos lhe caiu do pé. Ela olhou e viu o sapato no meio da sala, mas não foi capaz de dizer que o sapato lhe pertencia, continuou a dançar com o pé descalço, encoberto pelo vestido comprido e quando a música acabou, sentaram-se ambos num sofá, ficando o sapato esfarrapado no chão polido. Enquanto o rapaz foi buscar uma bebida para Lúcia, esta levantou-se e saiu da sala, refugiando-se numa pequena sala vazia toda forrada de espelho. Nesse espelho ela via-se toda, pálida e o vestido detestado até aos pés. Tentou fugir do seu reflexo, mas em todo o lado o espelho a via. Reparou que havia ali uma porta que dava para a varanda, foi aí que se escondeu e foi aí que decidiu o caminho que deveria escolher: iria viver com a sua madrinha e um dia havia de voltar ali com um vestido maravilhoso e com uns sapatos bordados de brilhantes.
Lúcia foi viver com a tia, deixando para sempre o pai e os irmãos, que eram pobres, porque como dissera a tia – viver é escolher - e passou a ter tudo o que antes não tinha, tudo lhe vinha parar às mãos sem esforço. Casou com um homem rico que se tornou ainda mais rico depois de casar com ela.
Passaram vinte anos. E nesse vigésimo ano, ela recebeu um convite para um baile no primeiro dia de Junho, na mesma casa rica e bonita, onde ela tinha ido com um vestido lilás feio e fora de moda. Aquele convite parecia um encontro marcado pelo destino. Quando Lúcia entrou na sala de baile, ninguém queria acreditar no que via. O vestido de Lúcia deixava ver uns sapatos bordados de brilhantes. Na sua dança, Lúcia espalhava círculos de mil luzes, fogo, brilho. Todos a olhavam e ela rodopiava vendo-se de espelho em espelho. Para relembrar o passado, decidiu voltar à tal sala de espelhos, onde se escondeu com vergonha do seu reflexo. Tudo estava igual, a sala vazia, o espelho, mas também a sua imagem lá estava ainda reflectida. O vestido lilás enchia toda a sala, ela queria gritar, mas o grito estava preso, não saía. O espelho rodou, a porta abriu-se, entrou um homem na sala que lhe disse: “Há vinte anos, aqui, nesta varanda escolheste o outro caminho. Eu sou o outro caminho". E, como pagamento, o homem exigiu-lhe o sapato do pé esquerdo que, desta vez, era forrado a diamantes. Ele, em troca, entregou-lhe o antigo sapato forrado de seda azul, velho e roto. Ela quis fugir, mas não conseguiu mover-se. O homem tirou-lhe o sapato de brilhantes e calçou-lhe o sapato esfarrapado.
Na manhã seguinte, Lúcia foi encontrada morta na varanda. Nunca ninguém conseguiu explicar o facto de Lúcia ter calçado no pé esquerdo um sapato velho, roto e com manchas de bolor
Esta História da Gata Borralheira diz-nos que nem sempre a riqueza é o melhor caminho.

O conto tradicional "A Gata Borralheira" era uma das histórias mais contadas às crianças em sessões que animavam os serões de outros tempos. Ainda me lembro de quando era miúda: juntavam-se lá em casa todas as crianças do bairro (eu e os meus irmãos, os filhos dos vizinhos e as minhas primas). Sentávamo-nos todos à volta da minha mãe ou da minha avó e ficávamos totalmente dependentes, rendidos às palavras, aos vários tons de voz e aos sons emitidos. Factores como o ritmo atribuído às palavras, ou a ênfase dada aos excertos capazes de suscitar o medo, ou o riso captavam a nossa atenção.
É inegável a presença dos contos nas nossas vidas. Seja através da transmissão oral ou através da leitura.

O conto tradicional conta-nos a história de uma rapariga pobre e maltratada pela madrasta. Esta obrigava a pobre moça a fazer todas as tarefas domésticas, enquanto ela e as filhas descansavam e se divertiam. A rapariga vestia-se pobremente, enquanto as filhas da madrasta se vestiam com aprumo e algum luxo. Deparamo-nos, igualmente, com um elemento sobrenatural: a fada. A fada encanta-a, oferecendo-lhe um vestido de baile lindíssimo, um par de sapatos de cristal e uma carruagem para que se pudesse deslocar ao castelo sem correr perigos. Avisa-a, no entanto, que o encanto acabará à meia-noite. No baile, a rapariga dança com o príncipe que fica encantado com a sua beleza.
O tempo passa rapidamente e quando ela se apercebe que é quase meia-noite sai rapidamente do baile e perde um sapato na escadaria do palácio.
O Príncipe recolhe o sapato e como não havia esquecido os encantos da rapariga, convida todas as jovens do reino a dirigirem-se ao palácio para experimentarem o sapato que havia encontrado.
A madrasta e as suas filhas gozam com a pobre coitada e obrigam-na a ficar em casa, enquanto elas se dirigem ao Palácio para calçarem o sapato.
O Príncipe fica desiludido por nenhuma das jovens conseguir calçar o sapato e ordena que todas as raparigas do reino venham ao Palácio para experimentarem o pequeno e belo sapato de cristal.
Ao ver a Gata Borralheira calçar o sapato, o príncipe fica felicíssimo por ter encontrado, finalmente, a sua amada e pede-a em casamento.
A madrasta e as filhas ficam furiosas e não compreendem como pode ser a Gata Borralheira a dona de tão belo sapatinho e agora também dona do coração do príncipe.
O bem vence o mal no final da narrativa o que é, aliás, usual na literatura tradicional. Assistimos, assim, à heroína sofredora pelos maus-tratos da madrasta e das filhas, acabar por ser recompensada. Acontecendo precisamente o contrário com as personagens malvadas que acabam exemplarmente castigadas.
O elemento sobrenatural, a fada, surge no conto com o intuito de ajudar a rapariga trabalhadora e mal tratada. Surge para restabelecer a justiça.


No conto "A Gata Borralheira" de Sophia de Mello Breyner Andresen, começa-se por enunciar a existência de dois caminhos possíveis para a personagem. Aludindo, deste modo, ao livre arbítrio do ser humano: "Viver é escolher", o ser humano é o único responsável pelo seu destino. A Gata borralheira de Sophia tem de decidir entre uma vida com o pai falido e os irmãos, existência feliz, mas modesta, uma juventude sossegada, sem vida social ou viver em casa da madrinha e ter acesso a um mundo a que sempre sonhou pertencer. O primeiro contacto que teve com esse universo foi num baile. Foi com um vestido emprestado e uns sapatos rotos. Apercebeu-se que não pertencia àquele mundo. Foi gozada e humilhada. A sua escolha foi feita nessa altura: “Tenho de escolher outro caminho. Um dia hei-de voltar aqui com um vestido maravilhoso e com sapatos bordados de brilhantes."
Na verdade, a sua vida mudou irreversivelmente a partir do momento em que decidiu ir viver com a tia. Casou com um homem abastado, o tempo parecia não a afectar já que não envelhecia e até parecia estar cada vez mais bela.
As amizades eram cada vez mais e tinha sucesso em tudo o que fazia.
Haviam passado vinte anos desde que havia decidido não continuar a ser humilhada. Recebeu um convite para um baile precisamente na mesma casa e na mesma primeira noite de Junho. Aceitou o convite e resolveu apagar com a riqueza que possuía agora toda a humilhação por que passara. Encomendou uns sapatos forrados de brilhantes verdadeiros (os sapatos tinham sido a principal causa da humilhação sofrida). Na noite do baile, todas as atenções se viraram para ela. Voltou à sala onde se havia refugiado há vinte anos e do espelho saiu um homem. Também ele "ostentava inteligência, poder, pose e domínio". Pediu-lhe de imediato o sapato do pé esquerdo e ela não lho quis dar. Perante a sua recusa, apresentou-se como sendo "o outro caminho" o que ela havia escolhido há vinte anos, lembrou-lhe também que há vinte anos que ela só conhecia a glória e o sucesso, enquanto os outros haviam conhecido humilhações e outras espécies de privações. Razão pela qual queria o sapato do pé esquerdo dela e concluiu com uma expressão enigmática " é o preço do mundo".
De manhã, ela foi encontrada morta, Ficando implícito que o preço do mundo que este ser sobrenatural lhe pede, será uma alusão à expressão "vender a alma ao Diabo?" Haveria uma espécie de pacto com as forças do mal em que se daria a alma em troca de uma vida de sonho?

No texto tradicional recompensa-se a personagem sacrificada pelos maus-tratos que recebeu. O bem vence o mal. No conto de Sophia Mello Breyner, assistimos a um percurso interior da personagem mais complexo. A menina pobre é seduzida por um mundo aliciante pelo qual se sente atraída. Recusa uma vida modesta com o pai e os irmãos. Deslumbra-se com o brilho, com a riqueza e escolhe esta segunda opção. Durante vinte anos vive confortável, ostentando riqueza e poder, mas necessitava sempre de olhar o vestido que guardava da noite em que havia sido humilhada. Talvez numa tentativa de encontrar forças para se manter fiel à opção que havia tomado.
O sucesso foi-lhe cobrado e no auge da glória, pagou-o com a própria vida. A autora finaliza o seu conto castigando a personagem que optou pelo materialismo em detrimento do valor da família. Mas antes, tinha dado a liberdade de escolha à personagem que construiu, mostrando-nos que não podermos escapar às consequências de determinadas opções que fazemos.


Trabalhitos:






Boas leituras!

26 comentários:

Feltro em casa disse...

Oi Mena!
Adorei essa outra versão da "Gata Borralheira", eu não conhecia. É triste, mas é um conto de fadas mais realista tipo: ...e viveram infelizes para sempre...Gostei.
Malú

SANDRA RIBEIRO disse...

ola mena adorei esta outra historia nao conhecia e realmente tem fundamento a riqueza nao compra a felicidade de que vale sermos lindos por fora se por dentro nao estamos felizes.
em pequena adorava a historia original porque fazia lembrar um pouco eu,tinha madrasta como eu ma e entao pensava nela adorava ver os desenhos animados e sonhava com o que lhe acontecera um dia aconteceria a mim é certo que nunca aconteceu o mesmo mas o princepe encantado apareceu para me salvar hoje passados 15 anos de casamento continuo a dizer que ele foi o meu princepe que me veo salvar...
adorei os seus trabalhos
beijos

Lau disse...

puxa, nem sei o q dizer... tb não conhecia essa versão da história. Mas penso q somos sim responsáveis por nossas escolhas, e q o bem e o mal existem, cabe a nós saber escolher o melhor p/ nós.
Penso tb, q mais nem sempre quer dizer melhor; e q ser é mais do q ter!
Suas peças estão lindas, parabéns!!!
Bjinhus

caloca disse...

Bom dia, mena. Segui seu conselho e vim cá espreitar, adorei seu blog e seus trabalhinhos e quanto a história, é muito bonita esta nova versão é como o abrir os olhos a nossa sociedade que vive exclusivamente por materialismo.
Adorei viositar seu blog, vou passar cá mais vezes.
Jokas
Armanda

Habiba disse...

Ola... por acaso não conhecia esta historia! Mas tem uma boa moral.
Adorei a tua nova peça... esta lindissima e as multifunções que tem, é fantastica! beijinhos

Unknown disse...

amei a historia contei ao meu filhote miguel ele gostou amei a tua nova peça ta lindissima continuas me a supirender bjokas boa kinta feira

Chocolate disse...

Olá querida!
Adorei a história, é fantástica! e nova pecinha está muito bonita também! :)
muitos beijinhos!

yermandeluxe disse...

UN ABRAZO GRANDE Y MUCHO HUMOR
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Alexandrina disse...

Olá Mena!
Adorei conhecer esta versão da história, por acaso não conhecia...
é diferente!
Tb adorei as peçinhas que fizeste! Parabéns!

Beijinhos amiga!

Paula disse...

Olá amiga, sempre vim cá dar um look, não conhecia esta versão, Obrigada.
Esta é a versão ke a geração Morangos com Açúcar deveria ler, e entender. Uma beijoka, adorei :)

Anónimo disse...

Olá Mena.

Adorei o seu blog. Tem trabalhos lindos. Quanto ao conto é magnifico, não conhecia, mas há sempre duas versões da história...IhIhIh!

Muitos miminhos...

Lucinda disse...

Oi Mena, tudo bem? passa pelo meu blog, tenho lá um miminho para ti. jinhos

Petite Noisette disse...

Olá!
Gostei da historia, também não conhecia!
Bjinhos

Unknown disse...

Olá Mena,
Muito obrigada pela tua visita e comentários.
Quanto ao teu cantinho que não conhecia, devo dizer-te que:
Adorei o teu blog em geral e os trabalhos aqui apresentados em particular, pois são muito lindos, diversificados e de grande originalidade. É um cantinho que virei visitar sempre, pois fiquei encantada!!
Beijinhos e resto de boa semana,
Lia.

Galeria de Pinturas disse...

Olha não sei o que dizer...talvez simplesmente MARAVILHOSO ... beijinhos Mena
Isabel

Criatividades Online disse...

Estes trabalho estão muito bonitos!
Gostei :)

Sylvana disse...

que lindo cuento, te deja pensando.
Me encantan tus ultimos trabajitos, prendedor/colgante.
un beso grande

Syl

maiu :) manchinha da vaca disse...

Olá Mena tudo bom?
Pois é nao conhecia a outra versao da historia, mas a moral é sempre justa!
E sobre seus trabalhinhos adorei, bem diferente!
Beeeijos e otimo dia!

APO (Bem-Trapilho) disse...

Olá Mena!
gostei dos teus novos trabalhos. parabéns!
obrigada por teres respondido à questão dos amigos imaginários! foste muito esclarecedora e adorei a tua imaginação.
bjinhos

Sonia Facion disse...

Olá Mena!!!
Como sempre,suas artes continuam maravilhosas.
Parabéns!
Sonia

Nile e Richard disse...

Olá amiga.A versão da gata borralheira está um encanto,os seus trabalhos divinos.Um feliz dia das mães para voce.bjtos.nile.

Meus Netos...Minha Fortuna!!! disse...

Linda a história!
Super lindos...fabulosos os trabalhinhos!
Parabens querida
Um excelente fim de semana!
Um beijinho
Cassilda

maiu :) manchinha da vaca disse...

olá querida,
tem uns mimos para ti em meu blog,
com muito carinho, beijos!

mafgonbot@gmail.com disse...

Oi querida,

desculpa mas só hoje consegui vir aqui. Adorei a história, para variar... em pequena leram-me a história da Gata Borralheira e mais crescida li-a... gosto muito da moral da história e mais pessoas deviam compreendê-la!!
Esta versão...sem palavras...
Adorei as peças de bijuteria, são lindas!!
Tenho um miminho no meu blog, não sei se já tens...
Bjs e bom fim-de-semana.
Mafalda

LC disse...

Olá Mena! Um óptimo fim de semana para ti! Beijinhos :D

Dulce disse...

Olá Mena,
Conheço muitos contos da Sophia, até porque a minha filha gosta muito, mas a gata borralheira não conhecia e de facto estou de acordo com a autora "Viver é escolher".Quantas gatas borralheira s há por aí que fizeram a escolha de Sophia? Mas também acredito que o fim dessas pessoas é muito triste e solitário. Eu prefiro o meu canto, não gosto de luxúria, aliás abomino gente dessa e vivo feliz como sou. Também partilho que essas gatas não devem ser recompensadas(como no original), porque nada fizeram de útil nesta vida, como tal, têm o que merecem.
Dorei.
Bfs e
Beijinhos