A autobiografia
A autobiografia consiste na narração retrospectiva do percurso existencial de um indivíduo redigida pelo próprio. Estamos, pois, perante um texto narrativo onde autor, narrador e personagem principal correspondem ao mesmo indivíduo, que assume uma espécie de pacto autobiográfico, segundo o qual reconhece a sua existência como real e reconhece os acontecimentos narrados como verídicos.
A autobiografia é, pois, narrada na 1ª pessoa e evidencia-se por um carácter mais expressivo do que propriamente informativo, uma vez que é marcada pela subjectividade. Além disso, sendo uma narrativa posterior, assistimos a um desvio temporal entre o eu presente e o eu passado, através da recriação de uma visão retrospectiva e englobante construída através da memória. A autobiografia permite-nos viajar no tempo e no espaço, transportando-nos também para um tempo psicológico, traduzido pelas vivências subjectivas do indivíduo, e para um espaço psicológico, um espaço minado de emoções, sensações e sentimentos.
A autobiografia não segue necessariamente a ordem cronológica; observamos, muitas vezes, desvios temporais: analepses, prolepses, associações entre episódios pertencentes a tempos diferentes, etc.
Autobiografia de Vergílio Ferreira
Vejo o meu pai, no limite da minha infância, dobrar a porta do pátio, com um baú de folha na mão. Vejo-o de lado, e sem se voltar, eu estou dentro do pátio e não há, na minha memória, ninguém mais ao pé de mim. Devo ter o olhar espantado e ofendido por ele partir. Mas alguns meses depois o corredor da casa de minha avó amontoa-se de gente, na despedida de minha mãe e da minha irmã mais velha que partiam também. Do alto dos degraus de uma sala contígua, descubro um mar de cabeças agitadas e aos gritos. Estou só ainda, na memória que me ficou. Depois, não sei como, vejo-me correndo atrás da charrete que as levava. O cavalo corria mais do que eu e a poeira que se ia erguendo tornava ainda a distância maior. Minha mãe dizia-me adeus de dentro da charrete e cada vez de mais longe. Até que deixei de correr. Dessa vez houve choro pela noite adiante - tia Quina contava, conta ainda. Mas não conta de choro algum dos meus dois irmãos que ficavam também. Deve-me ter vibrado pela vida fora esse choro que não me lembro. É dos livros, suponho. Depois a infância recomeçou. Três irmãos, duas tias e avó maternas, depois a vida recomeçou. Mas toda essa infância me parece atravessar apenas um longo Inverno. É um Inverno soturno de chuvas e de vento, de neves na montanha, de histórias de terror, contadas à luz da candeia no negrume da cozinha, assombrada de tempestade. Até que um dia um tio de minha mãe, que era padre na aldeia, se pôs o problema de eu não ser talvez estúpido. E imediatamente se empolgou para me consagrar ao Altíssimo. E para me ir desbravando a alma, juntamente com a doutrina, atacou-me a memória com o latinório todo da missa. Aprendi-o sem falhas, ia eu nos seis anos. E quando aos sete o fui ver esticado na cama, a face toda negra, e me obrigaram a beijar-lhe a mão morta, já tinha o destino talhado para o Senhor. Minhas tias apoderaram-se logo de mim, negligenciando um pouco os meus irmãos, e sufocaram-me de religião. Na instrução primária cumpri. Deus mostrava à evidência que mechamava ao seu serviço. Era forte em contas, mais atrapalhado na História, de qualquer modo, os desígnios de Deus eram evidentes. E assim, para se cumprir a sua vontade, parti. Ficava à distância de um dia de comboio, o Seminário. Saio na estação ao anoitecer, há uma multidão de seminaristas à minha volta, todos vestidos de preto. Estou entre eles, não conheço ninguém. Avançamos pelo escuro estrada fora, no tropear confuso de uma enorme massa negra. O seminário espera-nos numa curva de estrada. É um casarão enorme, olho-o do fundo do meu pavor. Há Outono à minha volta, respiro-o agora em todo esse passado morto, nos castanheiros a desfolharem-se na cerca, no espaço dos salões, nos longos corredores ermos nos ângulos cruzados pelos espectros dos prefeitos. Mas seis anos depois, levantado de heroísmo, saí. Fiz o liceu, entrei na Universidade. Mas não o fiz assim em três palavras como o faço aqui. Meu irmão corpo. Como foi difícil acomodarmo-nos um ao outro. A vida que me coube não a pude utilizar toda. Numa fracção dela acumulei assim aquilo com que se realiza - o sonho, o trabalho, a alegria. E eis que se me levantam os sete anos de Coimbra. Sombrios, longos, penosos. Mas o que acede desse tempo à evocação tem apenas o halo de uma balada. Ruas da Alta, e a Torre, e o plácido rio do alto da Universidade, e os mestres que eu julgava um prodígio da Natureza, quando cheguei à cidade, e fiquei a julgar também, a vários deles, quando saí, mas com outro sinal, e a praxe estúpida, e os namoros estúpidos, e a descoberta, enfim, da literatura, que só então descobri, embora trabalhasse há muito o verso com obstinação, e as tertúlias, as rixas, o próprio futebol, as próprias desgraças físicas - tudo me ressoa agora a uma toada de legenda. Da festa juvenil, como da festa literária eu só conhecia as margens do rumor que transbordava da alegria dos outros. Isso basta, porém, a que a legenda se me levante e o seu eco me ondeie ao espaço da evocação. Assim Coimbra só no ressoar do seu nome tem já um timbre de guitarra. Música de miséria, não é nela que eu a ouço, mas no passado que a transcende e é da memória inatingível, da memória absoluta. Coimbra da saudade difícil, Coimbra de sempre e de nunca. Comigo a levei, longo tempo me acompanhou, presente, obsessiva. Mas havia tanta coisa ainda à minha espera. Faro do ar marinho, da laguna das águas mortas, Bragança das invernias, Évora, Lisboa. Professor, sou-o por fatalidade. Mas alguma coisa se me impõe na avidez dos alunos que me escutam, na necessidade de responder à sua descoberta do Mundo - e assim me invento o professor que não sou, e eles imaginam em verdade o que é em mim só ficção. Mas dos centros de irradiação da minha actividade, apenas Évora transbordou de emoção para a lembrança. E como a Coimbra, é de novo a música, agora o coral dos camponeses, que a levanta ao espaço da minha comoção. Ouço-o ainda agora, a esse coro de amargura, raiado à infinidade da planície. Évora do silêncio com sinos nas manhãs de domingo, estradas abandonadas à vertigem da distância, ó cidade irreal, cidade única, memória perdida de mim. Sou do Alentejo como da serra onde nasci, a mesma voz de uma e outra ressoa em mim a espaço, a angústia e solidão.
E a minha biografia deve ter findado aqui. Lisboa é um sítio onde se está, não um lugar onde se vive. Mesmo que se lá viva há 18 anos como eu. Eu o disse, aliás, a alguém, na iminência de vir: quando for para Lisboa, levo a província comigo e instalo-me nela. E assim se fez. Os livros que aqui escrevi são afinal da província donde sou. Terrorismo do trânsito, das relações pessoais, da luta em febre pela glória por que se luta ou do ódio surdo pela que calhou aos outros, terrorismo das distâncias, das relações humanas ao telefone, das cartas que nos escrevemos para de uma rua a outra ao pé, da cultura tratada a uísque nos salões do mundanismo, da individualidade perdida, da vida maximizada. Vejo-me numa enfermaria do hospital, acordando estranhamente de não sei que tempo de inconsciência, com vários médicos conversando entre si e sobre mim. Pergunto de que se trata, porque estou ali. «Foste atropelado» - diz-me o meu filho, que é um dos médicos. Tenho fractura do crânio, várias contusões pelo corpo. Lisboa, selvagem, cidade bonita na claridade dos prédios, no rio das descobertas, no aéreo das colinas, meu veneno e minha sedução. Fui atropelado. Mas é talvez justo que o fosse. Porque eu não sou daqui.
Maio, 1977.
Vergílio Ferreira
Nesta autobiografia, podemos constatar que:
- Autor, narrador e personagem principal são a mesma pessoa.
- O momento da narração é posterior ao momento dos acontecimentos.
- As suas primeiras recordações parecem ter ficado gravadas em imagens.
- A saída do seminário é encarada com bravura.
- A relação que o autor tem com a cidade de Lisboa é ambígua.
Tomamos conhecimento também das cidades por onde o autor passou e a descrição que faz delas:
Coimbra - “Ruas da Alta, e a Torre, e o plácido rio”
Bragança - cidade “das invernias”
Faro - cidade “do ar marinho”
Évora - “Sou do Alentejo como da serra onde nasci”
Lisboa - “é um sítio onde se está, não um lugar onde se vive”
Reconhecemos algumas figuras de estilo:
“um mar de cabeças agitadas” – metáfora
“e as tertúlias, as rixas, o próprio futebol, as próprias desgraças físicas” – enumeração
“ó cidade irreal” – apóstrofe
“Sou do Alentejo como da serra onde nasci” – comparação
Figuras de estilo
Apóstrofe - Figura de estilo em que o sujeito enunciador interrompe o discurso, dirigindo-se a um interlocutor, real, ficcional ou simbólico, que pode ser o leitor/ouvinte, uma entidade divina ou uma personagem. A apóstrofe é conseguida através do uso do vocativo em discurso directo e destina-se a conferir vivacidade e realismo ao discurso.
Comparação - Figura de estilo baseada na analogia, que consiste na aproximação sintáctica de duas realidades ou entidades diferentes na sua natureza, mas que apresentam algum tipo de relação na sua configuração semântica ou cognitiva. A comparação aproxima--se da metáfora na medida em que são ambas figuras de analogia, mas enquanto na comparação estão explícitos os termos comparáveis e os termos comparados, na metáfora os dois termos de comparação fundem-se em algum ponto.
Enumeração - Consiste na sequência de várias palavras, sintagmas ou orações e que tem como propósito uma intensificação do ritmo do discurso, ou uma acumulação de argumentos, sendo muitas vezes orientada para uma gradação.
Hipálage - A hipálage é uma figura de estilo que consiste na comunicação de uma qualidade ou propriedade pertencente a um nome para outro nome que se encontre muito próximo na frase.
Metáfora - Consiste na substituição de um termo por outro, com o qual apresenta semelhanças. É uma espécie de comparação abreviada, porque não está presente a palavra ou expressão comparativa.
Personificação - Figura de estilo que consiste na atribuição de qualidades humanas a seres não humanos (animais, seres inanimados, ideias, entidades abstractas, etc.).
Bifes de peru com natas
1 pacote de natas
1 lata de cogumelos laminados
1 sopa de rabo de boi (Knorr ou outra marca)
0,5 dl de leite
Num pirex, deite um pouco de natas no fundo, espalhando bem. Disponha os bifes depois de os passar pela sopa de rabo de boi. Se tiver de sobrepor os bifes, separe-os com um pouco de natas.
Espalhe por cima os cogumelos laminados.
Com o resto do pó da sopa de rabo de boi, prepare o molho, dissolvendo-o nas restantes natas e no leite.
Verta o molho sobre os bifes e leve ao forno a 180º.
Deixe cozinhar e alourar.
Sirva com arroz de curgete e salada.
Bom apetite!
Trabalhinho:
A Rebeca e o Jota Cê ofereceram-me este selinho linnnnndooooo!... Aqui fica para quem o quiser levar.
11 comentários:
Olá Mena!!!
Entendi sim.
como sempre digo, visitar seu blog e cultura pura.
Bjks e estou levando esse selinho tbm.
Sonia
olá Meninha! Devo-te uma resposta ao mail que generosamente me respondeste, eu sei amiga! ando meio em baixo, e outras vezes em alta mas sem tempo nenhum... enfim a montanha russa do costume. mas brevemente responder-te-ei. Muito obrigada!
Acredito que andes tb muito muito muito atarefada com essas actividades e iniciativas todas. Tudo superinteressante! Força!
Obrigada por mesmo assim teres um tempinho para leres os meus desabafos intermináveis! :) Quero só dizer-te que a biblioteca a que me refiro é a municipal e nao a da escola que, pelo menos que eu saiba, nao costuma ter grandes actividades. Ao que sei os pequenos nem sequer lá vão salvo rarissimas excepções (duas vezes no ano passado, uma para uma conversa com uma escritora, outra para uma hora do conto).
Obrigada tb pela mensagem no cantinho da pipoca. Ela é muito preguiçosa para ler, mas adora livros e não dispensa a historinha na hora de deitar. estrafega-os tb muitas vezes, é um facto, e por isso lá tenho eu que atacar de fita-cola em riste! :)))
mil bejos amiga!
fica bem!
Oi Mena querida!!!
Chegou o mimo, adorei!!!
Já vou postar no blog de mimos.
Muito obrigada e retorno a prova de amizade, obrigada.
PROVA DE AMIZADE...
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>>>“Você pode ter 10 AMIGOS,
>>>Rir com 9,
>>>Conhecer 8,
>>>Conversar com 7,
>>>Festejar com 6,
>>>Se abrir com 5,
>>>Contar com 4,
>>>Chorar com 3,
>>>Precisar de 2,
>>>Só não pode esquecer de 1,
>>>EU!“
>>>Mande para os seus amigos, incluindo a pessoa que te mandou.
>>>**Se vc não receber nenhuma resposta: Cuidado! Faça mais amizades.
>>>***Se vc receber de volta 2x vc está longe de um bom começo.
>>>****Se vc receber de volta 3x vc é um bom amigo.
>>>****Se receber 4x vc é popular
Bjks Sonia
PROVA DE AMIZADE...
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Bjs.
Oi Mim.
Gosto muito do seu blog,pois ele nos ensina um pouco de cultura.
Entendi tudo perfeitamente bem.
Sua cozinha está uma delícia.Os trabalhos um amor.
PROVA DE AMIZADE...
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>>>Rir com 9,
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>>>****Se vc receber de volta 3x vc é um bom amigo.
Feliz fim de semana acompanhado de feliz dia das crianças.
bjtos.Nile.
Mena,
Sinceramente, essa sua comida acaba comigo... Aff, sinto o cheiro daqui!
Beijo grande, menina linda.
Rebeca
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E gostastes? t~em um aspecto delicioso e com cogumelos que adoro.
Deixo-te o mimo, muito obrigado.
Deixo um desafio.
PROVA DE AMIZADE...
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bjssssss
Mena, deixei um mimo especial no blog de mimos prá vc.
Bjks
Sonia
Olá Mena!
Aqui está uma prova à qual não se pode falhar...
PROVA DE AMIZADE...
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>>>****Se receber 4x vc é popular
Bjos
Depois do Hotel California, que me fez sonhar... agora só me apetecem os bifes de perú preparados por ti!
Posso?!
OLÁ Minha Amiga!!!
Você, que é minha amiga,
Você, que sempre me socorre quando preciso,
Você, que fala de assuntos interessantes...
Às vezes, coisas banais,
que para mim são tão importantes!
Você, que às vezes tão longe,
sinto tão perto em meu coração...
Você, minha amiga,
cujos olhos não vejo,
cuja alma sinto,
está sempre próxima,
bem mais perto do que a própria tela,
está mais próxima do que imagina...
Você, minha amiga,
que invadiu minha vida,
me fez gostar-te muito,
que não veio apenas através de um cabo telefônico,
mas veio do vento,
vento que nos leva para o encontro
das nossas alegrias...
Para a proximidade dos nossos sonhos.
Você, minha amiga,
que é muito mais que um encontro virtual,
é a realidade dos meus dias!
A você, minha amiga,
gostaria de fazer alguns pedidos:
Que você sempre permaneça em minha vida,
em meu coração.
Que seja minha eterna amiga;
além da tela,
além do tempo,
aqui dentro do meu coração...
DESEJO UMA SEMANA MARAVILHOSA...
BEIJOS COM CARINHO!!!
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