É a Hora!
Este é o último poema da "Mensagem", pertencendo à parte designada "O Encoberto", que fecha o ciclo da vida da Pátria, mas em que se pressente o gérmen sebastianista, o anúncio de um novo ciclo e a recuperação de energias latentes para a constituição próxima de um Quinto Império, um "reino de liberdade de espírito e de redenção. Diante dos homens ergue-se ainda uma aventura de espírito poderosa e inesperada. É a partida e a busca de uma nova Índia, que não existe no mapa, no espaço, e que jaz para além de toda a temporalidade , pois que só será alcançada por navios tecidos de sonho". Por isso é que, sendo Portugal nevoeiro, o poeta exclama: "É a hora!". No "nevoeiro", no "incerto e derradeiro", quando "tudo é disperso e nada é inteiro", a exclamação final é mobilizadora, chama a atenção para o facto de ser esse, precisamente, o momento em que tudo começa, em que tem de começar a construir-se uma Nova Realidade, diferente e melhor, mais além.
O título do poema e o seu último verso (Ó Portugal, hoje és nevoeiro"), na sua dimensão metafórica, caracterizam uma situação de crise que se perfila em várias modalidades:
- Crise política: "Nem rei nem lei";
- Crise de valores: "Ninguém conhece que alma tem / Nem o que é mal nem o que é bem".
- Crise de identidade: "Brilho sem luz e sem arder, / Como o que o fogo-fátuo encerra"; (aqui com o recurso a uma comparação bastante expressiva). Outro exemplo: "Tudo é incerto e derradeiro / Tudo é disperso, nada é inteiro. / Ó Portugal, hoje és nevoeiro"...
- "nem" (quatro vezes no primeiro verso e duas no nono, repetida em diácope, isto é, com outras palavras de permeio, e contribuindo decisivamente para caracterizar, logo de início, uma situação de inércia e marasmo);
- "ninguém" (duas vezes e a constituir uma anáfora, no princípio dos dois primeiros versos da segunda estrofe);
- "sem", repetida no quinto verso da primeira estrofe, contribuindo para adensar o sentido dum verso paradoxal, em que o oxímoro desempenha, como em todo o texto, um papel fundamental: "Brilho sem luz e sem arder";
- outra palavra negativa muito importante no texto é "nada" (décimo segundo verso), sobretudo, porque em antítese com "tudo", anaforicamente repetido nos décimo primeiro e décimo segundo versos;
- e ainda palavras ou expressões antitéticas, como: "guerra", "fulgor baço", "entristecer", "fogo-fátuo", Que ânsia distante perto chora?", "incerto e derradeiro", "disperso", "nevoeiro".
- a irregularidade métrica e estrófica;
- a predominância do ritmo binário nos primeiro, quinto, sétimo, oitavo, nono, décimo primeiro, décimo segundo e décimo terceiro versos;
- o facto de o décimo verso ("Que ânsia distante perto chora?" rimar com o último ("É a hora!"), estabelecendo, assim, a ponte que encontrámos na nossa análise ideológica.
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