Braga, 24 de Abril de 2012
Ex.mos Srs. Primeiro-Ministro, Ministro da Educação e Ciência e Secretário
de Estado da Cultura,
Passamos a citar a declaração final emanada da VII reunião de Ministros da
Educação da CPLP, datada de 30 de Março de 2012, assinada por todos os
ministros ou seus legítimos representantes (realces nossos em maiúsculas):
«Os MINISTROS DA EDUCAÇÃO, ou os seus representantes, DE Angola, Brasil,
Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, PORTUGAL, S. Tomé e Príncipe e
Timor-Leste, reunidos na cidade de Luanda, no dia 30 de Março de 2012 […]
DECIDEM […] INCUMBIR o Secretariado Técnico Permanente
(Portugal/Angola/Moçambique) PARA, junto e com o apoio do Conselho Científico
do IILP e de instituições académicas dos Estados Membros, PROCEDER A […]
3.1. Um diagnóstico relativo aos constrangimentos e estrangulamentos na
aplicação do Acordo Ortográfico de Língua Portuguesa de 1990;
3.2. ACÇÕES CONDUCENTES À APRESENTAÇÃO DE UMA PROPOSTA DE AJUSTAMENTO DO
ACORDO ORTOGRÁFICO DE LÍNGUA PORTUGUESA DE 1990, na sequência da apresentação
do referido diagnóstico.
[…]
Luanda, 30 de Março de 2012.
[…]
Nuno Crato, Ministro da Educação e Ciência da República Portuguesa […]»
Reiteramos: os Ministros da Educação da CPLP, representando os
estados-membros da CPLP declararam UNANIMEMENTE que deverão ser empreendidas
acções conducentes à apresentação de uma proposta de ajustamento do Acordo
Ortográfico da Língua Portuguesa (1990).
Estas palavras contrastam gritantemente com as declarações proferidas a 24
de Abril de 2012 pelo Sr. Secretário de Estado da Cultura na abertura da 82.ª
Feira do Livro de Lisboa (realces nossos em maiúsculas):
«[…] “Portugal subscreveu o acordo ortográfico, é um dos signatários, ele
está em vigor. Neste momento só dois países, Angola e Moçambique, ainda não o
rectificaram [sic]. As indicações que temos das cimeiras de Luanda, é que a
posição de Angola e Moçambique será definida agora. Isto é: será definido o
modo como vão rectificar [sic] o acordo. Mas a indicação que temos é de que o
vão rectificar [sic]”, afirmou o secretário de Estado da Cultura. “NÂO HÁ
REVISÃO. O acordo é um instrumento legal e foi rectificado [sic] por
parlamentos de diferentes países. O que pode haver, e isso está consignado na
lei, é a possibilidade de se fazerem acertos no Vocabulário Ortográfico Comum.
Será apresentada uma versão beta, ainda durante este ano, e até 2014 estará
encerrado. Repare, ainda nem sequer estão incluídas no Vocabulário Ortográfico
Comum as contribuições de Angola e Moçambique. Nessa matéria é que há abertura.
Agora o AO está em vigor.” […]»
– Francisco José Viegas, “Público”, 24 de Abril de 2012
(Fonte:
http://www.publico.pt/Cultura/a-crise-a-pirataria-e-o-acordo-ortografico-discutidas-na-abertura-da-feira-do-livro-de-lisboa--1543433?all=1)
Por sua vez, estas declarações do Secretário de Estado da Cultura contrastam
com estas outras:
«O facto de [o Acordo Ortográfico] ser irreversível não quer dizer que não
seja corrigível»
– Francisco José Viegas, “Correio da Manhã”, 30 de Outubro de 2011
Ex.mos Srs.,
Esta situação é intolerável. A descoordenação subjacente às acções dos
membros do Governo responsáveis por este tema é gritante. O conteúdo da
declaração de Luanda e as declarações do Secretário de Estado da cultura são
incompatíveis. Havendo os estados-membros da CPLP declarado UNANIMEMENTE que
deverão ser empreendidas acções conducentes à apresentação de uma proposta de
ajustamento do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990) – doravante
AOLP90 –, não pode o Secretário de estado da Cultura de Portugal vir agora
dizer que não haverá revisão do mesmo acordo.
A rejeição do AOLP90 pela sociedade portuguesa é visível e palpável. Creio
que não passará despercebida a Vossas Excelências a verdadeira torrente de
artigos e colunas de opinião versando este tema veiculados pela imprensa
nacional, a esmagadora maioria dos quais manifestando opiniões fortemente
contrárias ao dito acordo. Essa é apenas a ponta do iceberg… Percorressem
Vossas Excelências o espaço cibernáutico e deparar-se-iam com um verdadeiro
dilúvio de textos dedicados à temática do AOLP90, escritos por pessoas das mais
variadas proveniências, a vastíssima maioria manifestando feroz oposição. Raras
vezes se viu ou se vê uma questão despertar tão intensa e tão extensa discussão
no nosso país. O facto de se dedicar tanta atenção a este tema numa altura em
que o país vive tantas dificuldades, diz muito acerca do quão importantes são a
língua portuguesa e a sua ortografia para os Portugueses.
Fazemos nossas as palavras de António Emiliano (A CPLP E A CONSAGRAÇÃO DO
DESACORDO ORTOGRÁFICO in Público, 19 de Abril de 2012):
«[…] A situação presente resume-se a isto: Angola não ratificará nem
aplicará o Acordo Ortográfico enquanto não houver alterações; Moçambique
anunciou no ano passado que não está preparado para ratificar e aplicar o
Acordo Ortográfico; nenhum dos países africanos que ratificou o Acordo
Ortográfico fez qualquer esforço ou tomou qualquer medida para o aplicar; em
Portugal (berço da língua portuguesa) e no Brasil impera o caos
ortográfico-linguístico e usa-se uma mixórdia “acordesa”, enquanto no resto da
CPLP se escreve PORTUGUÊS; no Brasil, considerado por gente pouco avisada como
o “motor da lusofonia”, fala-se e escreve-se uma língua portuguesa cada vez
mais distante do português euro-africano. Não há paralelo nem precedente na
história de qualquer grande língua de cultura para esta situação difícil de
qualificar. Onde antes havia uma natural e inevitável clivagem entre o Brasil e
o bloco euro-africano da lusofonia existe hoje uma injustificável desunião entre
Portugal e os PALOP (nenhum dos quais aplica o Acordo Ortográfico) e
conserva-se a mesma clivagem luso-brasileira de sempre, agora disfarçada de
unificação ortográfica. O facto de o AO não concitar qualquer consenso nem
contribuir para unificar seja o que for, é razão suficiente para, no mínimo, se
suspender a sua aplicação e fazer respeitar a Constituição (que protege
explicitamente a qualidade do ensino e o uso da língua nacional) e a Lei de
Bases do Património Cultural (pela qual a língua, “fundamento da soberania
nacional, é um elemento essencial do património cultural português”). Tendo,
ademais, o Acordo Ortográfico sido declarado ortografia deficiente e carente de
revisão, logo, provisória e já obsoleta, a sua aplicação no sistema de ensino e
nas instituições do Estado português deve cessar imediatamente, como releva do
mais elementar bom senso e com o aval e beneplácito unânimes da CPLP.»
Fazemos nossas também as palavras de Rui Ramos (in Expresso, 24 de Março
de 2012): «(…) já passou o tempo em que um governo podia mandatar meia dúzia de
sábios para mudar o mundo e os arredores. (…) A resistência ao acordo tem menos
a ver com brios nacionalistas e mais com essa apropriação democrática da
língua. A língua é de todos, com as regras que todos aprendemos – não deles,
ministros e académicos, (poucos académicos, acrescentamos nós) para a fazerem
variar segundo as suas teorias e diplomacias preferidas. (…) O Estado deixou de
poder sujeitar a língua portuguesa ao arbítrio de decretos e portarias soprados
por uma qualquer cabala de especialistas. (de um pequeno grupo de
especialistas, que ignoraram os múltiplos pareceres em sentido contrário de
muitos outros mais!, acrescentamos nós) (…)».
Do exposto decorre que a única acção lógica, responsável e possível por
parte do Estado Português é suspender imediatamente a aplicação do AOLP90, até
à sua revisão. Insistir e persistir na sua aplicação seria um erro de
proporções insustentáveis e consequências por demais nefandas.
Vossas Excelências não foram responsáveis pela ratificação deste Acordo,
nem tão-pouco do 2.º Protocolo modificativo, que eliminou a exigência da
unanimidade dos Estados da lusofonia para que o AOLP90 entrasse em vigor. Têm,
porém, vindo a ser responsáveis pela sua implementação.
Vossas Excelências têm a possibilidade de entrar para a história de
Portugal com saldo positivo ou com saldo negativo. O resultado dependerá de uma
miríade de variáveis, a maioria das quais escapa ao controlo de cada um de vós.
Vossas Excelências controlarão apenas as vossas acções. Entrai para a história
de Portugal com saldo positivo.
Como governantes da nação, é vosso dever actuar na defesa dos interesses
nacionais. Solicitamos-vos, pois, que envidem esforços no sentido de suspender
a aplicação deste instrumento por demais imperfeito e daninho e, assim,
reponham o alto valor da estabilidade ortográfica em Portugal.
Gratos pela vossa atenção.
Subscrevem-se respeitosamente,
Feliciano Veiga Coelho
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Maria José Quintas da Silva Coelho
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Pedro Miguel Quintas da Silva Coelho
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André Feliciano Quintas da Silva Coelho
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