sexta-feira, 20 de abril de 2012

Ricardo Reis - O neopaganismo



António Mora foi o heterónimo de Fernando Pessoa que exaltou o "regresso dos deuses", isto é, o paganismo, o que significava, consequentemente, uma proposta de reconciliação do Homem com a Natureza, o reencontro com a terra.
A defesa do paganismo em detrimento do cristianismo (Fernando Pessoa afirmava ser pagão) surge na tentativa de modificar a mentalidade portuguesa. Nesta perspectiva, o paganismo aparece como uma proposta de percepção da realidade idêntica à do pagão, que pautava o seu conhecimento por uma relação directa com a Natureza, não se preocupando em desvendar hipotéticos mistérios que ela encerraria.

"O paganismo é a religião que nasce da terra, da natureza directamente - que nasce da atribuição a cada objecto da sua realidade verdadeira. Por sua própria natureza de natural, ela pode aparecer e desaparecer, mas não pode mudar de qualidade. (...) O paganismo aparece como a saúde, desaparece com o adoecimento do género humano" (Fernando Pessoa - À Procura da Verdade Oculta")

Para Ricardo Reis, o paganismo funciona como uma realidade aceite, como uma visão racional da verdade.

O Deus Pã não morreu, 
Cada campo que mostra 
Aos sorrisos de Apolo 
Os peitos nus de Ceres — 
Cedo ou tarde vereis 
Por lá aparecer 
O deus Pã, o imortal. 

(...)

Por outro lado, o paganismo confere calma e disciplina social. O estoicismo e o epicurismo são, assim, doutrinas filosóficas que permitem reivindicar uma forma de estar no mundo que se aproxima da visão pagã do universo. Enquanto homem moderno, Ricardo Reis assume o seu exílio num mundo dominado pelo cristianismo. É esta a hipótese que lhe resta de atingir a tranquilidade, pois o Homem nada pode fazer para alterar o seu destino. O didactismo da sua poesia é, aliás, motivado por esta constatação. Os próprios deuses estão submetidos a uma vontade superior - o fado - e a liberdade é uma ilusão.

Só esta liberdade nos concedem 
Os deuses: submetermo-nos 
Ao seu domínio por vontade nossa. 
Mais vale assim fazermos 
Porque só na ilusão da liberdade 
A liberdade existe. 

Nem outro jeito os deuses, sobre quem 
O eterno fado pesa, 
Usam para seu calmo e possuído 
Convencimento antigo 
De que é divina e livre a sua vida. 

(...)

Ergamos nossa vida 
E os deuses saberão agradecer-nos 
O sermos tão como eles. 

Assim, aproximando-se do seu mestre, Alberto Caeiro, Ricardo Reis situa o ser humano na mesma escala existencial dos seres que integram o universo. O Homem é regido pelas regras cosmogónicas universais e o apelo deste heterónimo pessoano surge no sentido de promover a consciência deste facto, o que implica uma desvalorização da individualidade e da ideia de que o Homem pode controlar a sua existência, ao contrário dos animais irracionais, por exemplo, ou das árvores e das pedras. É a constatação desta verdade que leva Ricardo Reis a defender a ataraxia, a inércia como a única possibilidade perante o reconhecimento da inevitabilidade do destino e da morte.

É, pois, de reter que, apesar das estruturas estróficas e métricas, da latinização da sintaxe, do léxico erudito e arcaico, à maneira clássica, a poesia de Ricardo Reis deixa sempre perpassar a angústia metafísica do próprio Fernando Pessoa face ao enigma da existência. 


1 comentário:

Nilson Barcelli disse...

Adoro estas tuas "deambulações" pelos poetas, principalmente por Fernando Pessoa e pelos seus heterónimos.
E aprendo sempre...
Mena, querida amiga, tem um bom fim de semana.
Beijos