segunda-feira, 9 de maio de 2011

Resnasce-se na Primavera

Carta a Ruben A.

Que tenhas morrido é ainda uma notícia
Desencontrada e longínqua e não a entendo bem
Quando – pela primeira vez – bateste à porta da casa e te sentaste à mesa


Trazias contigo como sempre alvoroço e início
Tudo se passou em plenos e projectos
E ninguém poderia pensar em despedida


Mas sempre trouxeste contigo o desconexo
De um viver que nos funda e nos renega
- Poderei procurar o reencontro verso a verso
E buscar – como oferta – a infância antiga


A casa enorme vermelha e desmedida
Com seus átrios de pasmo e ressonância
O mundo dos adultos nos cercava
E dos jardins subia a transbordância
De rododendros dálias e camélias
De frutos roseirais musgos e tílias


As tílias eram como catedrais
Percorridas por brisas vagabundas
As rosas eram vermelhas e profundas
E o mar quebrava ao longe entre os pinhais


Morangos e muguet e cerejeiras
Enormes ramos batendo nas janelas
Havia o vaguear tardes inteiras
E a mão roçando pelas folhas de heras


Havia o ar brilhante e perfumado
Saturado de apelos e de esperas
Desgarrada era a voz das primaveras


Buscarei como oferta a infância antiga
Que mesmo tão distante e tão perdida
Guarda em si a semente que renasce

Sophia de Mello Breyner

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