terça-feira, 17 de maio de 2011

Hoje passei-me...



Dou aulas há 28 anos. Já tive turmas problemáticas. Já tive turmas com 40 alunos. Já dei aulas à noite. Já tive alunos com necessidades educativas especiais. Já tive alunos com dificuldades de concentração... Sei lá! Já passaram por mim muitos, muitos alunos, muitas, muitas turmas...
Mas nunca tive uma turma como esta: não querem fazer nada, não registam a matéria nos cadernos, não fazem trabalhos de casa, não gostam de ler, escrever é "uma seca", as aulas e os professores "são uma seca". Não há uma única proposta de trabalho que lhes agrade, por isso mesmo, porque é trabalho!
Hoje, dia de revisões para o teste, depois de ter chamado mil vezes a atenção para a falta de atenção, para as conversas paralelas, para a falta de conhecimentos nesta altura do campeonato, para... para... para... acabei por me chatear a valer, quando uma menina foi ao quadro fazer um exercício que andamos a fazer desde o início do ano, que já fizemos mil vezes no ano transacto, que eles já deveriam "estar carecas de saber"! E não é que ao simples pedido, sublinha a forma verbal, ela sublinhou "quando". Como lhe gritei QUANDO? Ela disse um enganei-me, apagou e sublinhou logo de seguida o "se" contido na frase. Com toda a calma, disse-lhe:
- Então conjuga lá o verbo sublinhado no presente do indicativo.
Ficou a olhar para mim com cara de gozo ou de parva, não sei, e atirou um quem lhe disse que eu sei os verbos...
Passei-me, numa turma de 20 alunos, há apenas 6 que trabalham, que apresentam regularmente os trabalhos feitos, que estão atentos... O resto não sei o que anda a fazer ali, não sei o que estes miúdos pensam da vida! Alguns destes meninos (no 8.º ano) têm a idade da minha filha que anda no 11.º ano!
Sei que alguns pais lutam com dificuldades para os ter a estudar... e eles respondem "que não pediram para nascer, portanto os nossos pais só têm de ganhar para nós, de fazer o possível e o impossível para nos fazerem felizes".
- E que recebem os vossos pais em troca dos sacrifícios que fazem? A única coisa que eles vos pedem é com certeza que estudem, que se portem bem, que não se metam por caminhos tortuosos...
- Não têm de pedir nada, se estamos aqui é culpa deles, agora se não gostam, azar!
...
E a conversa (desconversa) continuou até à hora da saída. Tenho a certeza que "foi chover no molhado"!

Que tipo de gente estamos a educar? O que vai ser desta gentinha? O que vai ser destes pais e mães que dão tudo sem receber nada?


?



2 comentários:

Maria José Vitorino disse...

Não resisti a comentar. Para lá de possíveis patologias (colectivas?) que apenas um técnico de saúde mental poderia analisar, parece-me a mim que pais e mães têm de lhes dar a atenção que eles estão a pedir. Nascer não é uma virtude para ser compensada, e fazer nascer não é um crime para ser punido. Uns dias sem comer (quem tem culpa que eles precisem de comer? e que conversa é essa da culpa? e quem é que lhes deu o direito de atribuir culpas?) talvez lhes fizessem sentir que a vida é mais que meia dúzia de frases para enfeitar a afirmação social que de facto parece ser importante (mostrar à professora e aos amigos da turma que são superiores? vencer pelo cansaço os adultos em geral?). Triste campeonato.

Rita disse...

Tens toda a razão!
É realmente um triste campeonato.