«Claro que isto são rabugices de leigo. As rabugices de linguista têm mais valor, evidentemente. Mas o leitor também rabujaria se um acordo internacional o obrigasse a abraçar de outra forma, ou a beijar de modo diferente. “Recepção” escreve-se com “p” atrás do “ç”. É assim porque o “p” provoca uma convulsão no “e” – sem lhe tocar. E eu tenho alguma afeição por quem consegue fazer isso.»
Ricardo Araújo Pereira
«Será a falta de educação musical obrigatória que torna tantas pessoas indiferentes a esta hecatombe das nossas raízes comuns europeias? Ficaremos à deriva no meio do oceano, do lado de fora de um Brasil que não pediu nada disto e ignorando a dignidade dos nossos irmãos africanos? Temos o direito à diferença, à plasticidade da nossa língua. A pretexto de terem uma aprendizagem facilitada, os miúdos na escola não verão dificultada a aprendizagem de outras línguas de raiz indo-europeia??? Subscrevi a iniciativa em nome da preservação do nosso mais precioso instrumento comunicativo.»
Teresa Salema
«É um acordo político e não cultural. É mais uma cedência subalterna dos portugueses, mais um desfalque na nossa matriz identitária. Se os brasileiros dialectizaram a língua o problema é deles e não nosso: NÃO VAMOS nós começar a escrever precariamente por servidão à «maioria falante». Como se não bastasse, as novas regras estão pejadas de dislates e incongruências, a palavra «Egipto» é um exemplo: se lhe retirarmos o pê, como passarão a chamar-se os habitantes? Uma coisa é a grafia ir sendo adaptada à evolução natural da língua, outra, bem diferente, um acordo linguístico que se antecipa a essa evolução por interesses económicos – nem pensar! Tenho 55 anos, demorei uma vida inteira a aprender a minha língua e, em rigor, ainda não a domino cabalmente – nem eu nem nenhum português, pois é riquíssima, sofisticada, complexa e eivada de excepções, pelo que até aos seus obreiros oferece dúvidas. Era só o que faltava que viessem agora remeter-me para os bancos da escola, chamando «errado» ao «certo» – NEM PENSAR! Cambada de vassalos borra-botas, que confundem servilismo e sujeição com modernidade! Para que conste: na qualidade de cidadã portuguesa, jamais abdicarei dos 2% que querem sonegar à minha língua.
PARA TRÁS, VENDILHÕES DA PÁTRIA!
Rita Ferro
“A imposição política de um Acordo Ortográfico no espaço de língua portuguesa é, ao mesmo tempo, um contra-senso e uma intromissão na evolução cultural. Um contra-senso pois espartilha a própria dinâmica linguística que se inventa e reinventa. O Português do Brasil, que se destaca cada vez mais nos mercados e no consumo, é a prova dessa dinâmica que tem marcado uma trajectória muito particular que não abrandará por artes legislativas. E é uma intromissão na evolução cultural, pois obriga à formatação da escrita com base em premissas muito pouco claras que se fundamentam, sobretudo, em necessidades macro-económicas e que em nada tocam as necessidades educativas dos cidadãos.Como é possível que um dicionário actual se dedique a explorar as novas “vantagens” do Acordo, mas através dele seja impossível compreender um texto de Camilo Castelo Branco?
Eu não subscrevo o AO90.
E num assunto como este, que envolve, como bem referiu Fernando Pessoa, a “minha pátria”, a “minha língua”, exijo ser ouvido e deixar de ser tratado como um simples adereço nas grandes questões dos homens políticos internacionais, para quem este assunto é uma mera questão tecnocrática.”
Nuno Resende
«Apesar de tudo, incrivelmente, o AO tem os seus detractores. Ou, como os apoiantes do AO lhes chamam para os amesquinhar, “detratores”. Há muita gente que fala publicamente contra o AO. Numa atitude algo hipócrita, diga-se. Dizem-se contra o AO mas, aceitando o que o AO institui, passaram de espectadores para espetadores. Eram pessoas que assistiam à discussão sem interferir, agora espetam coisas no AO. E querem discutir melhor este acordo, numa espécie de debate colectivo. Não sei se não prefiro que o debate seja antes coletivo. Uma discussão onde só falam as pessoas que gostam de usar colete.»
José Diogo Quintela
"É inevitável trazer à lembrança a famosa passagem de Bernardo Soares / Fernando Pessoa no Livro Desassosssego, em que diz: “…Minha pátria é a língua portuguesa. [...] Sim, porque a ortografia também é gente. A palavra é completa vista e ouvida. E a gala da transliteração greco-romana veste-ma do seu vero manto régio, pelo qual é senhora e rainha.
”A violenta desfiguração que o novo Acordo quer impor à língua é um crime grave. Com ele, a língua original do trovador D. Dinis, de Gil Vicente, do Pe. António Vieira… passou a ser um sub-dialecto do brasileiro, que nem os brasileiros reconhecem, porque eles continuam a escrever aspecto, perspectiva, espectador, excepcional, concepção, recepção… e nós com o novo Acordo passamos a escrever aberrações como aspeto, perspetiva, espetador, excecional, conceção, receção…
O iluminado legislador que produziu a novo AO parece ignorar a tendência fonogrâmica das línguas, a inevitável “colagem” da letra à fonética. Quando vejo escrito, como agora, conceção e receção, por exemplo, a minha tendência é pronunciar como concessão e recessão… A tendência fonogrâmica do português brasileiro é abrir os sons, ao passo que a do português de Portugal é fechá-los. Por isso a grafia constitui uma marca distintiva fundamental. Por exemplo, o novo AO quer que se escreva afetar e adotar, tal como no Brasil, em vez de afectar e adoptar. Com ou sem as letras aparentemente mudas como o “c” ou o “p”, o brasileiro pronunciará sempre àfètár e àdòtár, ao passo que português sem o “c” e sem o “p”, terá a tendência fonogrâmica de pronunciar âf´tár e âdutár. Se passo a escrever correto em vez de correcto, terei tendência, enquanto português, para pronunciar kurrêto, como em carreto ou coreto…
Enfim, como o dispositivo legal que promulga o novo AO é uma Resolução da Assembleia da República, e não uma Lei ou um Decreto-Lei, terá sempre o mero valor de recomendação, ao contrário de um Decreto-Lei que é vinculativo.
Chamo a atenção que o Decreto-Lei que promulga o Código do Direito de Autor e Direitos Conexos, na hierarquia legislativa, sobrepõe-se a uma resolução da AR, por isso sugiro aos Autores que se não conformam com a nova ortografia e desejem continuar a escrever como os nossos pais nos ensinaram, que leiam atentamente o n.º 1 do Art. 56.º do Código do Direito de Autor, em articulação com o Art. 93.º do mesmo Código. Nós, Autores, temos sempre a “opção ortográfica de carácter estético” a nosso favor.
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