1. Em livro que escrevi
em 1999, em plena euforia dos milhões diários que nos entravam porta dentro,
afirmei ser pouco sério confundir essas imediatas vantagens financeiras com
vantagens económicas de futuro. Admiti então, qual velho do Restelo, que
subjacente a tanta prata fácil estava uma bem escondida estratégia hegemónica.
E adiantei, contra-corrente, que se víssemos as coisas por esse ângulo não
cairíamos na esparrela que se desenhava: ao longo dos anos fomos financiados
para deixar de produzir e destruir a agricultura e a indústria. Ora se somos
responsáveis pelo caminho que aceitámos, também a União Europeia o é, por nos
ter induzido a trilhá-lo. Chegados onde estamos, é penoso ver que a bravata
tapa a realidade. Podermos continuar a endividar-nos a um juro superior ao que
agora pagamos à troika (4,891 versus 3,4 por cento) justifica a bravata? Se em
Abril de 2011 fomos “expulsos” dos mercados, por que razão nos receberiam
agora, quando a dívida, em lugar de diminuir, cresceu 25 mil milhões de euros e
a economia se afunda a cada dia que passa? A resposta é Draghi, que anunciou em
Setembro um programa de compra das dívidas soberanas e com isso constituiu o
Banco Central Europeu como fiador sólido dos países em apuros. Todos os juros
caíram a partir daí, os da Grécia inclusive. Nada foi graças a Passos ou
Gaspar. Tudo foi apesar de Passos e Gaspar. O resto é bom negócio para quem
empresta a cinco por cento e mau para quem terá que pagar cinco com a economia
a decrescer dois.
2. Se a credibilidade do
relatório do FMI já era exígua, os acontecimentos recentes reduziram-na a zero.
E o silêncio do Governo e de Carlos Moedas sobre os factos trouxe a destaque a
falta de ética que juntou mandantes e mandados da vergonhosa manobra. Carlos
Mulas-Granados, um dos autores da coisa, tinha dois heterónimos. Com um
facturava euros. Com o outro dizia, à quarta, o contrário do que recomendava à
terça. O homem, jovem professor de economia da Universidad Complutense de
Madrid, desancou o primeiro-ministro inglês por este ter aumentado as propinas
do ensino superior e reduzido as contribuições sociais. Com o heterónimo que
não chegou a baptizar, recomendou ao primeiro-ministro português que aumentasse
as propinas e reduzisse ainda mais as prestações sociais. Verdadeiro expoente
do empreendedorismo moderno, criou uma versátil cronista virtual, de sua graça
Amy Martin, que ao bom jeito da indústria financeira da moda facturava a três
mil euros por peça artigos que nunca escreveu, sobre coisas tão diversas como
cinema, energia nuclear, felicidade e economia. Foi agora demitido de
director-geral da Fundación Ideas, do PSOE (Partido Socialista Obrero
Españoll), por fraude. Mas não ouvimos uma palavra de Carlos Moedas, de
reconsideração, sobre a porcaria que elogiou e assim fede a céu aberto.
3. Os professores
voltaram a sair à rua. Cerca de 40 mil, dizem. Divididos, é notório. Mas,
sobretudo, sem resultados para a luta que travam desde os tempos de Maria de
Lurdes Rodrigues. As evidências são lapidares: viram os salários diminuídos e o
tempo de trabalho aumentado; conhecem o maior crescimento de desemprego de
todas as classes profissionais (os números oficiais mostram que quadruplicou
nos últimos anos; a variação homóloga no início do presente ano lectivo
apontava para um aumento da ordem dos 70 por cento); continuam mergulhados em
tarefas aberrantemente burocráticas e improdutivas; têm, como nunca, a
dignidade profissional e a independência intelectual calcadas por políticas de
terror social, a que se prestou um ministro que os traiu. E respondem com
manifestações que se perdem na habituação que nada muda e lutos folclóricos de
que se riem os que os escravizam. Permito-me recordar-lhes o que nestas colunas
escrevi, não há muito: os professores sabem, têm a obrigação de saber, que todo
o poder só se constrói sobre o consentimento dos que obedecem.
Sei como é difícil
combater o desânimo, quando as necessidades básicas são a preocupação diária. Sei
que muitos dos que me podem vir a ler estão no desemprego, nunca tiveram vida
estável e não sabem como dar de comer aos filhos. Mas é para parar tudo isso
que urge fazer diferente. Reagir, dizer não, dizer basta. O que está no
relatório do FMI é um incentivo a inverter o sucesso da Escola Pública,
reconhecido em estudos recentes. Em 2013 podemos incorrer em erros semelhantes
aos que denunciei em 1999, se não soubermos sustentar e defender que não temos
professores a mais, que continuamos com licenciados a menos, que todos não
somos demais para construir uma economia que pague o Estado social que querem
destruir. Foi com investimento na Educação que os suíços, os dinamarqueses, os
suecos, os noruegueses ou os finlandeses, têm hoje o que alguns dizem que nunca
poderemos ter.
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