segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Carta de um professor de TIC ao Presidente da República

Recebi de um amigo!


Exmo. Sr. Presidente da República Portuguesa,

O meu nome é Pedro Vala, sou professor do grupo de recrutamento 550-Informática e desempenho funções no Agrupamento de Escolas de Pernes. Leciono a disciplina de Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) aos alunos do 9º Ano, sou também formador de professores acreditado na área da informática. Sou ainda o Coordenador do PTE (Plano Tecnológico da Educação) do Agrupamento e Delegado de Instalações.

Venho deste modo ao seu contacto no seguimento das recentes declarações do Sr. Ministro da Educação, Nuno Crato, que considerou ser questionável a existência de uma disciplina de informática (TIC – Tecnologias da Informação e Comunicação) no 9º ano de escolaridade (3º Ciclo) porque, justifica, os alunos já dominam os computadores e sendo assim não será necessária a continuidade da disciplina no currículo, que será extinta já no próximo ano letivo.

Existem outras disciplinas envolvidas nesta problemática (2ª língua estrangeira, Educação Visual e Tecnológica), no entanto partilho aqui com VEXA algumas reflexões apenas sobre a área TIC. Com esta reflexão espero contribuir para a defesa dos interesses dos alunos, dos pais e encarregados de educação e em última análise de todos nós.

É também meu intento tentar ilustrar a VEXA que a extinção da disciplina TIC será um processo que em vez de poupar custos ao país com a Educação, antes os onera além de introduzir na sociedade portuguesa, a prazo, novas formas de exclusão e iliteracia que considerávamos debeladas, com consequências sociais e económicas imprevisíveis.

Esta proposta ministerial de reorganização do currículo mereceu da minha parte as seguintes reflexões:

1 – Em primeiro lugar, o Sr. Ministro utilizou critérios que considero pouco acertados para justificar esta reorganização curricular consubstanciada na proposta de extinção da disciplina TIC. Os critérios que deu à evidência são errados porque conduzem a prazo à infoexclusão e são anacrónicos porque fazem regressar a iliteracia digital a uma sociedade e a um estado digital incompatíveis com tal desígnio. O retrocesso é evidente e como se sabe a “sociedade do conhecimento” e o mercado de trabalho não lidam bem com os excluídos/iletrados e vice-versa.

2 – O edifício tecnológico erguido na última década nas escolas portuguesas, que as colocam ao nível do melhor que há no mundo, foi conseguido e é mantido, em grande medida, com a colaboração ativa dos professores de informática deste país, quer ao nível pedagógico, quer ao nível técnico. É bem provável que estejamos no início da ruína do edifício, perante a intenção de retirar algumas das suas pedras mais importantes: a disciplina TIC e os seus professores. O que trará o futuro aos futuros alunos?

3 – O grupo de recrutamento 550-professores de informática, é o mais recente: tem pouco mais de 15 anos e tem servido o país, como lhe compete, promovendo a literacia digital dos alunos, futuros cidadãos. Este facto permitiu ao estado (e a privados) implementar com sucesso vastos programas de modernização tecnológica operada a vários níveis da administração pública o que possibilitou um salto tecnológico na sua relação com os cidadãos (ex: Ministério das Finanças, da Segurança Social). O Sr. Ministro saberá com certeza que foi nas escolas que a literacia digital dos cidadãos foi iniciada o que permitiu e fará perdurar, indiretamente, o salto tecnológico e a sua continuidade. Quanto foi possível o estado poupar com esta mais-valia? A eficácia do Ministério das Finanças com formas eletrónicas de cobrança de impostos é bem conhecida e é um bom indicador.

4 – O trabalho destes professores foi bem feito, atendendo às palavras do Sr. Ministro: “os alunos já dominam perfeitamente os computadores”. Achará que o trabalho está terminado. Mas se estamos a falar de Educação esse trabalho ainda não acabou, nem nunca acaba, pela simples razão que os alunos que estão na escola hoje e já “dominam” amanhã são substituídos por outros alunos que ainda não “dominam” e que terão de ser ensinados. Com este critério, deixar de se ensinar TIC nas escolas básicas é considerar um absurdo: que as competências TIC dos alunos são de origem genética. Sem ironias, é senso comum afirmar-se que ninguém nasce ensinado e bastarão poucos anos até que as palavras infoexclusão e iliteracia digital voltem a entrar no léxico comum, ao permitir-se que os estudantes portugueses atravessem grande parte do seu percurso escolar, ou mesmo a sua totalidade (2º, 3º ciclos e ensino secundário), sem nunca terem tido contacto de qualidade com uma disciplina da área TIC.
5 – Os professores de informática têm permitido ao Ministério da Educação, portanto ao estado, a poupança de enormes custos em serviços de manutenção dos mais diversos equipamentos informáticos que existem às dezenas ou mesmo centenas, nalgumas escolas. Acabar com TIC é retirar de quase 1800 escolas a figura do professor-técnico TIC. Está contabilizado o custo dessa opção? Provavelmente não, mas pode bem ser um custo para o estado muito superior ao que vai poupar com a extinção da disciplina (e dos professores). Talvez não seja exagerado dizer-se que estes profissionais merecem cada euro que ganham, muitas vezes com trabalho “pro bono” para além do seu horário atribuído, para que no dia seguinte os serviços estejam operacionais. Lanço daqui o desafio de se perguntar às escolas como é o dia-a-dia desta realidade.
6 – Se existe a intenção de substituir os professores de informática por professores de outras áreas de formação, reciclados em TIC ou que “têm jeito”, e que têm insuficiência ou ausência de componente letiva terá resultados nunca para melhor e será o equivalente a, permita-me a metáfora, pôr o beato a dar a Confissão, com prejuízo para o pecador. Será desperdiçar uma força de trabalho altamente qualificada, disponível, ainda jovem, que garante a qualidade técnico-pedagógica e a produtividade que a Educação de qualidade e inclusiva exige, com evidente prejuízo para os alunos. Se esses profissionais de TIC existem e estão integrados no mercado de trabalho porquê descartá-los para depois ter de os substituir por outros? Neste cenário, os custos associados à substituição e à diminuição da qualidade e da produtividade do serviço prestado estão calculados?
7 – O Sr. Ministro, com a intenção reformadora em análise, não quererá com certeza promover a desigualdade de oportunidades, mas está a caminho disso mesmo uma vez que muitos alunos têm o primeiro contacto estruturado com TIC nas escolas básicas. Ao contrário do que o Sr. Ministro idealiza, nem todos os alunos têm computador em casa e para muitos é na escola básica que têm a oportunidade de se tornar competitivo nesta área. Por outro lado, ao acabar com a disciplina, levará os alunos que têm computador em casa a aprender sem orientação pedagógica e neste ambiente tendem a proliferar os maus hábitos (ergonomia), o vício (jogos), o uso lúdico excessivo (redes e contactos sociais), o uso indevido (pirataria), o uso descuidado (exposição, segurança), as avarias (manutenção), em resumo a ausência de boas práticas.

Excelência,
Haveria outros ângulos de reflexão a expor mas temo alongar-me, ficam aqui as linhas principais que podem ajudar na conciliação dos intentos reformadores do Ministério da Educação e Ciência. Se reconhecer validade nestas reflexões que ora exponho espero que delas dê boa nota. Termino, Sr. Presidente, referindo que a Educação é um bem escasso e nestes nossos tempos conturbados que vivemos, escassos são os recursos que permitem criá-la, devem pois ser geridos com sabedoria e sem precipitações. Ao empobrecer o currículo escolar desta forma não creio que seja este o caminho do desenvolvimento dos alunos portugueses, é possível fazer melhor.

Subscrevo-me com elevada consideração,

Pedro Gil da Silva Vala

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