quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Uma conspiração de irresponsáveis

A história registará a forma como tudo isto aconteceu, mas não compreenderá. Parece a obra de uma conspiração de irresponsáveis.

Ainda bem que Merkel e Sarkozy proclamam fazer tudo para salvar o euro e a União. Se fosse para destruir o euro e a União ninguém daria pela diferença.

Quando isto começou, há mais de ano e meio, só poderia ter havido uma mensagem da União: o euro é inexpugnável, ponto.

A bem do euro, qualquer dúvida sobre a solvência de um dos seus estados – no caso, a Grécia – teria de ser cortada pela raiz. Infelizmente, a Senhora Merkel tinha então umas eleições na província, e preferiu o provincianismo. Impediu qualquer resposta comum ao incêndio que começava a lavrar e ainda não resistiu a lançar gasolina para o fogo, com uns comentários infelizes sobre os países do Sul, lançando para a opinião pública alemã preconceitos que nunca mais ninguém conseguiu controlar.

O incêndio ganhou mais dois focos, Irlanda e Portugal. A Irlanda viu a sua economia contrair 15% e o desemprego subir sem parar (dizem que é um caso de sucesso!) e Portugal vai por um caminho desastroso (alguém que conheça o nosso país, ou mesmo alguém que olhe para onde ele fica no mapa, não pode imaginar que ele se torne “competitivo” sem investimento público para ultrapassar os seus bloqueios ao desenvolvimento — tudo o resto não passa de fé).

A cegueira, em Berlim mas não só, impediu que o incêndio fosse reconhecido como um incêndio. O que teria sido fácil e barato de resolver no início, e menos barato mas ainda realizável depois, tornou-se num desastre monstruoso capaz de nos engolir a todos quando a pressão se começou a sentir sobre a Espanha, a Itália, e até a França.

A história registará a forma como tudo isto aconteceu, mas não compreenderá. Parece a obra de uma conspiração de irresponsáveis.

Estamos agora na espera rocambolesca de uma cimeira que decorrerá hoje, no meio da habitual cacofonia e postergação. Mesmo que dela saia uma solução que “acalme os mercados”, temporariamente, nada nos deixa acreditar que quem não entendia a crise ontem a consiga entender amanhã.

Estando errados os pressupostos, dificilmente resultará qualquer das propostas que está em cima da mesa.

Comecemos pela mais evidente. O perdão parcial da dívida grega não pode ser contido à Grécia. Se alguém acredita nisso em Berlim, Paris ou até Lisboa é porque são mais ingénuos do que eu achava. No dia seguinte, qualquer português dirá “os gregos falsificaram as contas e têm um perdão das dívidas — então e nós que não as falsificámos?”. Essa reflexão quase impecável — se nos abstrairmos de Alberto João Jardim — rapidamente se tornará num clamor a que nenhum governo poderá resistir.

Segunda ideia. Recapitalizar os bancos pode evitar uma catástrofe no futuro imediato, mas não serve para evitar a catástrofe que já temos e continuaremos a ter. Como sempre, os bancos não passarão esse capital para a economia real, e a insolvência de pessoas, empresas e estados continuará a cavar um abismo por debaixo do sistema bancário.

Terceira ideia, aparentemente a favorita dos alemães: tornar o Fundo Especial de Estabilização Financeira num banco alavancado, numa seguradora ou num “veículo especial”. Pode ser resumida por estas palavras: vamos desintoxicar-nos comendo veneno.

Mesmo que venha desta cimeira uma ideia brilhante e salvadora, porém, não é perdoável o mal que esta gente já fez à União, e a países como o nosso.


Daqui: ruitavares

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