terça-feira, 31 de agosto de 2010

Sou lúcido!


Cruzou por mim, veio ter comigo, numa rua da Baixa

(...)

De que serve uma sensação se há uma razão exterior a ela?

Sim, ser vadio e pedinte, como eu sou,
Não é ser vadio e pedinte, o que é corrente:
É ser isolado na alma, e isso é que é ser vadio,
É ter que pedir aos dias que passem, e nos deixem, e isso é que é ser pedinte.

Tudo o mais é estúpido como um Dostoiewski ou um Gorki.
Tudo o mais é ter fome ou não ter o que vestir.
E, mesmo que isso aconteça, isso acontece a tanta gente
Que nem vale a pena ter pena da gente a quem isso acontece.

Sou vadio e pedinte a valer, isto é, no sentido translato,
E estou-me rebolando numa grande caridade por mim.

Coitado do Álvaro de Campos!
Tão isolado na vida! Tão deprimido nas sensações!
Coitado dele, enfiado na poltrona da sua melancolia!
Coitado dele, que com lágrimas (autênticas) nos olhos,
Deu hoje, num gesto largo, liberal e moscovita,
Tudo quanto tinha, na algibeira em que tinha olhos tristes por profissão

Coitado do Álvaro de Campos, com quem ninguém se importa!
Coitado dele que tem tanta pena de si mesmo!

E, sim, coitado dele!
Mais coitado dele que de muitos que são vadios e vadiam,
Que são pedintes e pedem,
Porque a alma humana é um abismo.

Eu é que sei. Coitado dele!
Que bom poder-me revoltar num comício dentro de minha alma!

Mas até nem parvo sou!
Nem tenho a defesa de poder ter opiniões sociais.
Não tenho, mesmo, defesa nenhuma: sou lúcido.

Não me queiram converter a convicção: sou lúcido!

Já disse: sou lúcido.
Nada de estéticas com coração: sou lúcido.
Merda! Sou lúcido.


Álvaro de Campos

Podemos constatar que este poema pertence à terceira fase de Álvaro de Campos - a intimista - , visto que o sujeito poético manifesta uma revolta interior, contrariamente à revolta exterior da fase futurista-sensacionista. Assim, ele questiona "De que serve uma sensação se há uma razão exterior para ela?", afirmando até "Que bom poder-me revoltar num comício dentro da minha alma", pois sente-se "Tão deprimido nas sensações!".
O sensacionismo whitmaniano dá lugar a uma fase de introspecção, que culmina na comparação do estado de espírito do sujeito lírico com um pedinte. Neste poema, já não se verifica o êxtase provocado pela força da máquina, mas sim a tentativa de explicação do ser que se sente só ("Tão isolado na vida!") e vive "enfiado na poltrona da sua melancolia!"

A figura do pedinte surge no poema como elemento comparativo do estado de espírito do sujeito lírico.
Inicialmente, identifica-se com um "vadio e pedinte!, contudo, não no sentido usual da expressão, mas sim "isolado na alma".
O seu estado é ainda mais deplorável do que o de um pedinte, pois, enquanto este provoca pena nos que o observam, ele sente, ele sente pena de si próprio, visto que a sua pobreza não é visível pelos outros. Trata-se de um vazio interior só vivido por ele, o que o leva a exclamar "Coitado do Álvaro de Campos, com quem ninguém se importa! / Coitado dele que tem tanta pena de si mesmo!".

As frase exclamativas presentes neste poema estão ao serviço da função emotiva da linguagem. Traduzem a expressão de sentimentos de pena e de revolta, ora quando o sujeito poético assume a função de "eu" ("Sou vadio e pedinte... / E estou-me rebolando numa grande caridade por mim") ora quando assume a função de "ele" ("Coitado do Álvaro de Campos! / Tão isolado na vida! Tão deprimido nas sensações! / Coitado dele, enfiado na poltrona da sua melancolia!").
As exclamações traduzem o tumulto que vai no íntimo do poeta. A tristeza, a melancolia, o abatimento preenchem a sua alma. Sente-se um marginal, um incompreendido, pois não recebe "esmola" de ninguém, a não ser dele próprio. A própria passagem da figura de Álvaro de Campos de primeira para terceira pessoa (gramatical) será talvez estratégia do poeta para se sentir acarinhado por alguém. Curioso é que esse alguém é ele próprio.

Álvaro de Campos exprime-se em verso livre e longo, onde abundam frases exclamativas e anáforas ("Tudo mais é... / Tudo mais é..."; "Coitado dele... / Coitado dele..."). Além da comparação, surge a metáfora ("... enfiado na poltrona da sua melancolia!") a fim de intensificar o estado melancólico do poeta. Ressaltam, ainda, as antíteses ("Sim, ser vadio e pedinte, como eu sou, / Não é ser vadio e pedinte..."); ("Coitado dele que tem tanta pena de si mesmo! / Nada de estéticas com coração..."), que apontam para uma contradição de sentimentos, reflexo do estado mórbido em que se encontra o sujeito poético.






Trabalhinho:



A Mena na cozinha

Salada fresca

2 latas de atum
2 ovos cozidos
2 laranjas
duas maçãs
2 chávenas de feijão frade cozido
1 limão
sal
pimenta

Descasque a fruta e corte-a aos pedaços.

Junte o feijão, o atum e os ovos cozidos partidos aos bocadinhos.

Tempere com sal, pimenta e sumo de limão e envolva tudo muito bem.
Bom apetite!

domingo, 29 de agosto de 2010

Se te encolheres!


Ontem passámos o dia a percorrer Oeiras e os arredores à procura de um novo quarto para o meu filho. Ele está a tirar o mestrado no IADE (2.º ano) e a estagiar em Oeiras. Como a casa em que está é um pouco longe, decidimos procurar algo mais perto. Vimos vários quartos e, digo-vos, ele há pessoas que têm cá uma cara de pau! Pois é, há pessoas que alugam “quartos” sem um mínimo de condições. Vimos quartos pequeníssimos (pouco maiores do que a minha despensa!) cozinhas onde para entrarmos temos de ter as unhas dos pés bem cortadinhas, casas de banho apertadinhas… Casas onde não mora a “higiene”, nem por lá passa há uma quantidade de tempo, casas onde moram seis pessoas, havendo apenas uma casa de banho… E os preços? 250, 275, 300 euros… mais despesas…

Digo-vos, eu teria vergonha de alugar a alguém muitos dos espaços que vimos! E a descrição feita pelos proprietários? Não tinha nada a ver com o que nos estavam a mostrar!

Um casal, que nos recebeu, mostrou-nos a casa minúscula, deixando para último o quarto como se fosse um trunfo e, a certa altura, perguntou o marido da proprietária se tínhamos gostado, se isto, se aquilo...

- Temo que o meu filho fique com os pés de fora - disse-lhe, apontando para a cama.

Ele olhou-me desconfiado, atirando um… acha? Não posso!

Aí, o meu filho, que se mantivera calado até ali, assentiu:

- Tenho a certeza que vou ficar com os pés de fora.

A proprietária teve então uma “boa” ideia:

- Tenho ali um colchão de casal, ponho-o por cima deste e o Luís já não bate com os pés na cama, pois passarão por cima desta parte – dizia ela, apontando para a parte detrás da cama.

Não queria acreditar na solução apontada, só não me ri, porque enfim…

A cama é um divã para uma pessoa. Com um colchão de casal por cima do outro, podem imaginar! O quarto é pequeníssimo, a cama chegada à parede de um lado e com a cabeceira encostada à janela que dá para a varanda. Aos pés da cama uma estante e ao lado da cama um roupeiro estreitíssimo com duas portas. Entre a cama e este pequeno armário pouco espaço há para passarmos, ao lado da cama uma mesa-de-cabeceira pequeníssima com um pequeno candeeiro. Com o tal colchão de casal por cima do outro, não ficaria qualquer espaço para se passar.

O marido não concordou, que o melhor era pôr um colchão do mesmo tamanho em cima daquele, que também poderia mandar acrescentar a cama…

A mulher discordou, que o colchão era de casal, que não tinham mais nenhum daquele tamanho, que a cama acrescentada… nem pensar, que isso são remendos, que nem pensar!

Começaram a discutir e nós ali (eu, o meu filho e a minha filha) a olharmos uns para os outros e a encolhermos os ombros. Por fim, olharam-nos e a mulher corou.

A minha filha comentava com o irmão que o quarto não tinha espaço para uma secretária para pôr o computador, os livros… nem espaço para estudar.

A proprietária começou então a explicar-nos que a sala ao lado era maior e que fizeram o quarto com paredes falsas, cortando uma parte da sala…

- Até ficou bem acolhedor! – exclamou.

O marido quis que o meu filho se deitasse na cama.

- Ó Luís, tens de te deitar na cama. Será que não cabes mesmo?

Ele deitou-se.

- Realmente és grande! – concordou finalmente.

Era evidente que não estávamos nada interessados no quarto, mas o proprietário fez questão de dizer:

- Se te encolheres.

Despedimo-nos e fugimos dali.







A Mena na cozinha


Creme de curgete com alface

2 curgetes
4 batatas médias
4 cenouras
1 alface
sal
pimenta
azeite

Descasque as batatas e as cenouras. Corte as curgetes aos pedaços. Leve tudo a cozer em água com sal.

Reduza tudo a puré e junte a alface esfarrapada e lavada. Deixe cozinhar e tempere com sal, pimenta e um fio de azeite.

Bom apetite!


Trabalhinho:




sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Amanhã não existe



Pois que nada que dure, ou que, durando,
Valha, neste confuso mundo obramos,
E o mesmo útil para nós perdemos
Connosco, cedo, cedo.

O prazer do momento anteponhamos
À absurda cura do futuro, cuja
Certeza única é o mal presente
Com que o seu bem compramos.

Amanhã não existe. Meu somente
É o momento, eu só quem existe
Neste instante, que pode o derradeiro
Ser de quem finjo ser?

Ricardo Reis


O tema deste poema é a efemeridade da vida e a consequente necessidade de viver o momento presente.
Esta ideia de transitoriedade das coisas surge logo na primeira estrofe ("Pois que nada dure") e é confirmada pela certeza de que mesmo "durando" perde a utilidade "neste confuso mundo". Estas certezas fazem com que o sujeito lírico faça a apologia do "prazer do momento", apesar de este constituir "o mal presente". E é a consciência aguda da sua fragilidade que o leva a afirmar que ele é "o derradeiro / Ser de quem" finge ser.

A filosofia de vida aqui expressa por Ricardo Reis é a do "carpe diem" horaciano e a de Epicuro, uma vez que aqui se revela a importância de gozar o momento presente, tirando apenas o prazer desse instante, apelando à racionalização das emoções e à necessidade de comprazimento com aquilo que a vida no presente lhe oferece. O estoicismo é também visível uma vez que as paixões não são aqui expressas, mas sim a auto-disciplina e auto-controlo defendidos pelos estóicos.

O sujeito poético considera que "o mal presente" é preferível "À absurda cura do futuro". Atendendo a que a vida é fugaz, é preferível viver aquilo que no momento temos, a esperar mudanças futuras, que poderão até nem serem vividas por nós. Além disso, "o mal presente" é a única certeza que possui, mesmo porque o futuro é desconhecido e nada garante que o que aí vamos encontrar não seja tanto ou mais absurdo do que aquilo que vemos no presente. Parece, pois, aceitável afirmar que o sujeito lírico tem medo de um futuro desconhecido e, por isso, prefere contar com o que tem e não ficar à espera que o futuro traga alguma "cura", alguma solução.

O último verso do poema parece remeter para a impossibilidade de o homem controlar os seus actos, o seu destino. Quando se interroga sobre o poder de um ser que apenas pode ser fingimento, uma vez que o que está para além dos limites do tempo pode ser um mistério, verifica-se que é esse mistério que comanda o próprio homem, é uma espécie de destino trágico que apenas permite viver parcelarmente. Contrariamente ao que seria de esperar, dado que Ricardo Reis é o poeta da razão, o sujeito poético não assume uma atitude antropocêntrica, muito pelo contrário, há uma certa desresponsabilização ao afirmar a sua impotência face ao fluir inexorável da vida humana.

Os recursos estilísticos que sobressaem no texto são característicos da poética de Ricardo Reis. Por isso, temos a metáfora ("Com que seu bem compramos"), assim como uma antítese, uma vez que se pretende comprar o bem que o mal encerra, transmitindo a ideia de desagregação e de desconcerto do sujeito lírico; o hipérbato, verificável ao longo de todo o poema, mas que revela o gosto pela estrutura frásica latina ("O prazer do momento anteponhamos") e o emprego dos verbos no presente do indicativo ("perdemos", "é", "compramos", "existe", "finjo"), no gerúndio ("durando") e no presente do conjuntivo com valor exortativo, ou seja, apelativo ("obramos", anteponhamos").






A Mena na cozinha

Carne de porco com amêijoas

1 lombo de porco
2 colheres de polpa de pimentão
2 colheres de polpa de tomate
piripiri ou malagueta em conserva
pimenta
2 kg de amêijoa
1 cabeça de alhos grande
sal
azeite
vinho branco

Corte a carne em cubos. Na picadora, junte os alhos e o sal e reduza a puré.

Junte a pasta dos alhos à carne, a polpa de tomate e de pimentão, o piripiri, a pimenta e o vinho. Misture bem. Deixe a marinar, pelo menos uma hora.

Leve um tacho ao lume com 1 dl de azeite. Escorra a carne e frite-a no azeite quente.

Retire a carne, quando estiver cozida. Deite as amêijoas no molho da fritura da carne e deixe-as abrir em lume brando.

Quando as amêijoas estiverem abertas, junte a marinada e a carne, misturando bem e deixando apurar um pouco.
Sirva com batatas fritas e salada.
Bom apetite!


Trabalhinho:

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Tradições e recordações



O almoço foi bem animado! A ti Maria assou as sardinhas, a ti Alice cortou a broa de milho em fatias, a minha filhota temperou a salada, eu dispus as uvas na cestinha, o meu marido encheu o jarro de vinho… Sentados à mesa, cada um tirou a pele às suas batatas. E durante a refeição não faltaram as costumadas histórias do ti Joaquim e as anedotas do ti Manuel a apimentar a saborosa sardinhada.

O Ti João perguntou à minha filha se estava a gostar das férias, se tinha tirado muitas fotografias…

- Hoje, tirei muitas fotos! Até tirei aos animais: aos porcos, às galinhas, aos patos… Ah, é verdade, porque é que está uma porca sozinha, separada dos outros porcos?

- Essa porca está a fazer dieta, porque é para matar para a casa – informou a ti Maria, rindo com vontade.

- Sabes, no tempo mais frio, Novembro ou Dezembro, junta-se toda a família e amigos para a matança do porco, que neste caso é uma porca. Ficam desde já convidados para a festança – disse o ti Joaquim, prosseguindo:

- O porco mata-se, chamusca-se, raspa-se e lava-se muito bem. Depois pendura-se e tiram-se as entranhas, deixando-se a escorrer de um dia para o outro. No outro dia, desmancha-se o porco, cortam-se as carnes, guardam-se. Come-se… Bebe-se… Canta-se… e não faltam histórias, anedotas, provérbios que provocam gargalhadas intermináveis… À noite, os mais idosos sentam-se à lareira, enquanto as outras pessoas preparam as carnes para os chouriços, fazem-se também as morcelas, as farinheiras…

- Deve ser uma grande festa! – exclamou a minha filha.

- Mas não termina assim! No dia seguinte, prepara-se uma “assadura” para mandar aos amigos e familiares que não puderam estar presentes na matança; e, alguns dias mais tarde, enchem-se os chouriços e põem-se à lareira a “curar” – disse a ti Almerinda.

O ti Joaquim, de repente, lembrou-se que ainda havia alguns chouriços pendurados na lareira e pediu à ti Alice que fosse buscar um para provarmos.

- Ó ti Joaquim, porque é que a vossa lareira está na cozinha e não na sala? – perguntou a minha filha.

- A lareira era onde se preparavam os alimentos antigamente. Era construída num canto da cozinha. Havia dois tijolos, dispostos paralelamente e por cima colocava-se uma trempe – explicou o ti Joaquim.

- A palavra lareira vem de lar, o lugar onde se fazia o fogo – expliquei.

- E era entre os tijolos que se fazia o lume e na trempe assentava a panela ou o tacho – continuou o ti Joaquim.

- Os meus avós também curavam os enchidos na lareira. Em casa da minha avó, havia uma lareira grande onde se punha a lenha a arder. Por cima, passavam uns arames dispostos horizontalmente onde se penduravam os enchidos, ainda frescos, para serem curados pelo fumo que ia saindo pela chaminé. Na lareira, de cada lado, havia um banco para duas pessoas se sentarem, ali, a aquecer. E aos serões, num ambiente familiar, ensinavam-se os mais pequenos, contavam-se histórias de encantar com fadas, princesas, príncipes… – expliquei saudosa.

- Ó mãe, mas também se diz fogos para indicar o número de famílias numa povoação, não é? – questionou a minha filha.

- Ah, eu posso explicar – informou o ti Joaquim, acrescentando:

- Em cada família romana, mantinha-se acesa, em honra dos deuses Lares, uma “chama”, um fogo.

- Pois, focum em latim. Fogo e lar encerram uma ideia comum: a Família que habita numa casa – rematei.




Trabalhinho:



A Mena na cozinha

Frango com natas e cogumelos

1 frango do campo
1 pacote de natas (200 ml)
1 sopa de cebola instantânea
1 lata de cogumelos laminados
pimenta

Corte o frango, depois de lhe tirar a pele, em pedaços pequenos. Misture os cogumelos e a sopa instantânea e envolva tudo. Tempere com uma pitada de pimenta.

Deite um pouco de natas no fundo do pirex, barrando-o.
Disponha a carne do frango por cima das natas.

Verta o resto das natas por cima da carne e leve ao forno a 180º graus.

Quando estiver lourinho por cima, espete a carne para verificar se está cozinhada.

Sirva com batatas fritas ou puré de batata e salada.
Bom apetite!



MENINAS, para assinalar as 300 000 visitas vou oferecer um miminho a quem provar que foi a 300 000.ª visita. Obrigada pela vossa preferência e carinho. Bj grande a todos/todas que me visitam!



segunda-feira, 23 de agosto de 2010

O mistério das coisas


O mistério das cousas, onde está ele?
Onde está ele que não aparece
Pelo menos a mostrar-nos que é mistério?
Que sabe o rio disso e que sabe a árvore?
E eu, que não sou mais do que eles, que sei disso?
Sempre que olho para as cousas e penso no que os homens pensam delas,
Rio como um regato que soa fresco numa pedra.

Porque o único sentido oculto das cousas
É elas não terem sentido oculto nenhum,
É mais estranho do que todas as estranhezas
E do que os sonhos de todos os poetas
E os pensamentos de todos os filósofos,
Que as cousas sejam realmente o que parecem ser
E não haja nada que compreender.

Sim, eis o que os meus sentidos aprenderam sozinhos: —
As cousas não têm significação: têm existência.
As cousas são o único sentido oculto das cousas.

Alberto Caeiro


O poema pode ser dividido em três partes, correspondentes a cada uma das estrofes.
Na primeira parte, encontra-se uma série de interrogações, através das quais se depreende a filosofia do sujeito poético em relação àquilo que as coisas representam. Para ele, as coisas existem por si e não há nelas qualquer mistério, uma vez que elas se apresentam tal como são e é deste modo que ele se identifica com elas. É visível uma certa ironia quando afirma que ri daquilo que os homens pensam das coisas, mas até o seu riso é "como um regato", ou seja, é simples, puro e espontâneo.
Na segunda parte, o sujeito lírico justifica a atitude anterior e explica a razão de não ver o mistério das coisas. Para ele, as coisas não têm sentidos ocultos, nelas não há nada que compreender e, talvez isso seja estranho, ou cause estranheza.
Na terceira parte, verifica-se uma confirmação das afirmações anteriores, agora de carácter mais pessoal, reafirmando que os seus sentidos lhe permitiram aprender que as coisas existem, mas não têm significado, "têm existência" e não precisam de ter "significação".

Neste texto transparece a maneira como o sujeito lírico encara o mundo: com objectividade, notando-se a preferência por um mundo natural, do qual o sujeito poético faz parte integrante, comparando-se mesmo ao regato, "que soa fresco numa pedra". O mundo surge aqui reduzidio aos fenómenos das coisas e à natureza delas, numa tentativa de simplificar e clarificar os elementos que integram o mundo, o que, de algum modo, atenua a "dor de pensar" que é característica do ser consciente e, por isso, prefere modelos naturais como a pedra, a árvore, o rio. No mundo aqui apresentado, temos de aprender e desaprender, facto confirmado no verso 6, onde se destaca o que comummente os homens vêem nas coisas, mas que ele não vê, porque tudo é como é, o que é preciso é saber ver, apurando os sentidos para que estes aprendam sozinhos que "as coisas não têm significação: têm existência".

Para negar "o mistério das coisas", o sujeito poético pergunta; " Que sabe o rio e que sabe a árvore", onde está o seu mistério e por que razão "não aparece / Pelo menos a mostrar-nos que é mistério?". Afirma ainda que "o único sentido oculto das coisas / É elas não terem sentido oculto nenhum", ou que "As coisas não têm significação: têm existência. / As coisas são o único sentido oculto das coisas". No fundo, basta acreditar, apenas, na existência e negar a sua essência para impossibilitar a ocorrência do mistério.

Alberto Caeiro aceita um mundo objectivo, concreto e natural. Daí que, normalmente, se identifique com o pastor que vive em contacto permanente com a natureza que, por sua vez, é constituída por elementos naturais como o rio, as árvores, as flores, o vento, mas onde os elementos resultantes do trabalho do homem não surgem.
Na realidade, Caeiro aceita um mundo bastante restrito e limitado, reduzindo-o aos fenómenos mais simples e primitivos, recusando a intervenção do homem, de modo a evitar transformações e depredações. Assim, dir-se-ia que Caeiro cria um mundo só dele, um mundo inocente e saudável, só possível de encontrar em locais paradisíacos e distantes da acção humana.
Alberto Caeiro é o poeta que recusa o pensamento. Contudo, entra, por vezes, em contradição, já que neste texto, por exemplo afirma que pensa ("e penso no que os homens pensam delas"), embora reserve, depois, esta atitude reflexiva para os poetas e para os filósofos ("E do que os sonhos de todos os poetas / E os pensamentos de todos os filósofos"). Privilegia as sensações, os órgãos dos sentidos, fundamentalmente a visão, e afirma que não precisa de pensar para saber que "As coisas não têm significação: têm existência" e que isto é captado pelos sentidos ("Sim, eis o que os meus sentidos aprenderam sozinhos")
Pode pois constatar-se o desprezo do pensamento e a apologia das sensações, muito embora também pareça evidente a impossibilidade de uma rejeição total do acto de pensar.


Trabalhinho:




A Mena na cozinha

Tiramisú

7,5 dl de café
3 colheres de sopa de vinho do Porto
2 ovos
3 colheres de sopa de açúcar
250 g de creme de queijo
2,5 dl de natas
16 palitos de champanhe
2 colheres de cacau em pó

Numa tigela, junte o café e o vinho do Porto. Bata as gemas com o açúcar, durante 3 minutos, com a batedeira, até que fique um creme espesso e claro. Junte o creme de queijo e misture bem. Bata as natas e adicione-as ao preparado anterior.
Bata as claras em castelo e junte à mistura das natas.
Mergulhe os palitos , um de cada vez, na mistura do café, escorra-os bem e coloque uma camada no fundo de um pirex. Espalhe parte do preparado com natas por cima.
Mergulhe os restantes palitos e repita as camadas. Termine com creme, alisando bem a superfície. Polvilhe com cacau. Leve ao frigorífico cerca de 2 horas.
Delicie-se!

sábado, 21 de agosto de 2010

Vinho da mesma cepa



Logo pela manhã, tivemos de ir buscar a ti Celeste aos Casais do Morgado para irmos ao pinhal. Era preciso limpar os pinheiros, cortar-lhes alguns ramos que estavam a impedir o crescimento dos outros pinheirinhos mais novos, bem mais pequenos e finos. Este corte também é essencial para que os troncos dos pinheiros engrossem.

Para ir para o pinhal, o meio de transporte utilizado é o tractor. E lá fomos por caminhos estreitos ladeados de árvores frondosas carregadinhas de frutos, silvados cheios de amoras pretas e vermelhas…

Pelo caminho, o ti Joaquim decidiu explicar-nos o que significava Morgado:

- Morgado quer dizer mais velho, ou seja, maior pelo nascimento.

- Pois, a palavra morgado vem da expressão latina “maior natu” – disse eu.

- Antigamente, o morgado de uma casa era o filho mais velho, era aquele que sucedia a seu pai, na posse dos bens da casa, quando estes não podiam ser divididos ou vendidos – informou-nos ainda o ti Joaquim.

Chegámos ao pinhal e os homens munidos de serrotes começaram a cortar ramos e raminhos, troncos e tronquinhos. As mulheres, umas puxavam as trancas cortadas para o lado, desimpedindo o caminho; outras apanhavam algumas pinhas; eu e a minha filha decidimos percorrer o local e tirar algumas fotografias.

Quando regressámos, olhámos para o trabalho e achámos que não estava grande coisa: os pinheiros, de um lado tinham hastes e ramos, do outro ficaram quase depenados. Comecei a dizer ao meu marido que desbastasse em volta do pinheiro e não só de um lado. O ti Joaquim que não era preciso, que assim já estava bom, que os pinheirinhos já não estavam asfixiados e podiam crescer à vontade, que era trabalho que não valia a pena, que… que… que… E a minha filha que os pinheiros estavam horríveis, que era uma questão de estética, que as arvorezinhas se se vissem ao espelho morriam de desgosto de tão feias que se veriam, que assim, que assado, que… que… que…

O meu marido pegou no serrote e decidiu acertar os pinheiros, ou seja, cortar os ramos à volta das árvores, deixando-os mais atraentes, com os ramos mais simétricos.

- Ó ti Joaquim, a menina tem uma certa razão! Os pinheiros estão muito mais bonitos! – exclamou o ti João.

Terminado o trabalho ali, subimos de novo para o tractor e rumámos a casa para fazer o almoço.

Ouviu-se um apito ao longe, a ti Maria pegou na carteira e saiu rapidamente. Pouco depois, chegava com um saco de sardinhas fresquinhas e alguns carapaus. O almoço seria peixe assado com batatas cozidas com a pele e salada de tomate e pepino.

Enquanto se preparava o almoço, a minha filha fotografava borboletas, aranhas e gafanhotos. A ti Alice apanhou tomates e pepinos e foi preparar a salada.

A ti Maria anunciou que de tarde íamos fazer doce e compota e que era preciso ir apanhar fruta.

Apontou-nos uns baldes pretos e disse que fossemos colher uvas.

Estava uma cesta de verga muito bonitinha em cima de uma tina e eu achei que as uvas ficariam lindíssimas na cestinha com umas folhas verdes por baixo. A ti Celeste disse logo:

- Vamos às uvas com um balde e depois escolhemos as mais bonitas e colocamos na cesta.

Peguei num balde e lá fui. Comecei a colher os cachos e a limpá-los dos bagos podres, dos bagos secos, dos bagos rachados… E, quando estavam com um ar mais apresentável, dispunha-os, cuidadosamente, no fundo do balde forrado com folhas de videira. Volvidos alguns minutos, estavam todos à minha volta, a olhar e a sorrir:

- Ó senhora professora, falta muito? – perguntou a ti Almerinda.

Olhei para os baldes atulhados de uvas e o meu apenas com meia dúzia de cachos.

- Para encher o balde? Sim, um bocadinho. – respondi.

- Pelo andar da carruagem, não almoçamos hoje – disse o meu marido trocista.

- Ah, mas as uvas da mãe não são para fazer doce, são para comer! As vossas estão com um aspecto desgraçado – disse a minha filha aprovando o meu trabalho, enquanto nos encaminhávamos para casa.

- Ó senhora professora, as suas uvas vieram de onde? – perguntou a ti Maria, prosseguindo admirada:

- Nem parece vinho da mesma cepa! Tem a certeza que não as comprou por aí a algum vendedor?

- Pronto, já sabemos que as uvas da senhora professora é que são boas!...




A Mena na cozinha

Salada de grão

1 lata de grão cozido
1 pepino pequeno
2 tomates
1 pimento vermelho assado
1 cebola
salsa
2 latas de atum
canónigos
4 ovos cozidos
sal
pimenta
azeite
vinagre

Abra a lata de grão; corte o pepino e o tomate aos cubinhos; pique a cebola e a salsa; desfie o atum;

corte o pimento aos quadradinhos e os ovos aos bocadinhos, reservando um para enfeitar.

Junte os canónigos e misture tudo muito bem. Tempere, enfeite com o ovo e sirva.
Bom apetite!





Trabalhinho: