Personagens
Telmo Pais
Telmo Pais, o velho criado, confidente privilegiado, define-se pela lealdade e fidelidade. Não quer magoar nem pretende a desgraça da família de D. Madalena e Manuel. Mas como crê no mito sebastianista, acredita que D. João de Portugal há-de regressar. No fim, acaba por trair um pouco a lealdade de escudeiro pelo amor que o une à filha daquele casal, D. Maria de Noronha. Representa um pouco o papel de coro da tragédia grega, com os seus diálogos, os seus agoiros ou os seus apartes.
Telmo Pais, amo e criado de D. João de Portugal, era o seu maior amigo, e nenhuma criatura sofreu tanto como ele o seu desaparecimento; opôs-se quanto pôde a que a sua viúva casasse segunda vez e não lhe pôde perdoar a infidelidade para com o amo, cuja morte se recusou sempre a aceitar. O resto dos seus dias é consagrado ao culto do desaparecido, a quem levanta no seu coração um altar. E lentamente os dias vão passando, a imagem de D. João vai-se-lhe entranhando na alma, tornando-se com o tempo talvez mais rígida, mais nítida, mais adorada. O tempo só fazia aumentar a adoração. Mas deste casamento abominado nascera uma criança. Quis o destino que Telmo também fosse o amo dela, e o seu coração cresceu com este novo amor. Mas pode Telmo continuar a não acreditar na morte de seu amo? Porque se ele é vivo e voltar, que será feito da sua menina? Órfã e desgraçada é o que ela será, segundo a moral da época. Durante muito tempo Telmo não chega a ter consciência clara desta contradição.
No momento culminante, o pobre Telmo Pais descobre que no fundo da alma desejava que D. João tivesse continuado morto. O seu reaparecimento transtorna-lhe a sua verdadeira vida. E Garrett leva o drama desta personagem às suas consequências últimas, porque é ele - a mandado de D. João, é verdade, mas com uma satisfação secreta e cheia de remorsos -, é ele quem vai à última hora espalhar que o Romeiro é um impostor. É ele, afinal, e isto é que é terrível, quem vai matar definitivamente seu amo, ele, o único que não tinha acreditado na sua morte e que fizera votos pelo seu regresso, o único que pode testemunhar a sua vida.
Telmo Pais, o fiel servidor de seus amos, primeiramente D. João de Portugal, agora de Manuel de Sousa Coutinho e família, é a personificação dos presságios, agouros que assolam aquela família, ao manter-se convicto, ao fim de vinte e um anos, da existência do seu primeiro amo (“Madalena (assustada) – Está bom: não entremos com os teus agouros e profecias do costume: são sempre de aterrar… Deixemo-nos de futuros…”; “E és tu o que andas continuamente e quase por acinte, a sustentar essa quimera, a levantar esse fantasma (…) esses contínuos agouros, em que andas sempre de uma desgraça que está iminente sobre a nossa família…”; carta deixada por D. João em cujas palavras assenta um dos pilares da credulidade de Telmo). Telmo culpa Madalena pelo seu segundo casamento (“Oh minha senhora, minha senhora! Mas essa coisa em que vos apartastes dos meus conselhos…”), embora esta tivesse dedicado sete anos a buscas infrutíferas. Ama Maria apesar de ser o resultado de uma ligação que ele considerou adúltera (“ (…) ao princípio era uma criança que eu não podia… - é a verdade, não a podia ver: já sabereis porquê; mas vê-la, era ver… Deus me perdoe!... nem eu sei… E daí começou-me a crescer, a olhar para mim com aqueles olhos… a fazer-me tais meiguices, e a fazer-se-me um anjo tal de formosura e de bondade, que – vedes-me aqui agora, que lhe quero mais do que seu pai.”) e é leal a Manuel de Sousa Coutinho a quem respeita e venera (“Manuel de Sousa… o senhor Manuel de Sousa Coutinho é guapo cavalheiro, honrado fidalgo, bom português…”; “A minha vida que ele queira é sua. E a minha pena, toda a minha pena é que o não conheci, que o não estimei sempre no que ele valia.”). Telmo Pais é a personagem que condensa em si próprio o passado (ligação de D. João de Portugal), o presente (fidelidade à família de D. Madalena) e o futuro (antevisão dos acontecimentos que se vieram a concretizar). Note-se ainda que Telmo é já idoso, tal como velho está o ciclo de felicidade de D. Madalena e Manuel de Sousa Coutinho, uma vez que irá terminar em breve. Telmo é também, por deformação, servil, amigo e inimigo, comprovando a sua verdadeira personalidade com o regresso do antigo amo. Telmo equipara-se, ainda, ao coro das tragédias na medida em que comenta, ajuíza (“ (…) tenho cá uma coisa que me diz que antes de muito se há-de ver quem é que é que quer mais à nossa menina nesta casa.”; “Terá…” – põe em dúvida a morte de D. João, ) e vaticina (“Às palavras, às formais palavras daquela carta escrita na própria madrugada do dia da batalha, e entregue a Frei Jorge, que vo-la trouxe. – “vivo ou morto” – rezava ela – “vivo ou morto…” Não me esqueceu uma letra daquelas palavras: e eu sei que homem era meu amo para as escrever em vão: “vivo ou morto, Madalena, hei-de ver-vos pelo menos ainda uma vez neste mundo.”; “Mas não se ia sem aparecer também ao seu aio velho.”
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