E
foi hoje que me vi livre dos malfadados exames. Que alívio senti, quando
transpus o portão da escola! Tinha deixado para trás um peso enorme e senti-me
leve, leve, tão leve... Quase voei com a força do vento!
Este
ano, alguns alunos decidiram escrever, seguindo as regras do novo AO...
Tudo
bem! Tínhamos ordens para aceitar o “português do século passado, do tempo dos
dinossauros (como algumas pessoas gostam de dizer!), e o deste século (o
dos iluminados, pais do novo AO, que não o deram à luz, mas simplesmente
“abortaram” (trata-se de um “aborto ortográfico”) e de todos os carneiros que
seguem em fila, sem olharem para o lado, sem pensarem um bocadinho (dá muito
trabalho!), e que comem tudo o que lhes põem à frente, sem se questionarem...
O
problema, e houve realmente um problema, é que os meninos e as meninas
desataram a eliminar tudo o que era cê e pê. Para eles, de repente, ficaram
todos mudos e, portanto, dispensáveis! Todos os cês e pês tiveram ordem de
soltura, todos tiveram de desaparecer, cortaram-lhes a voz... E, por mais que
as palavras estrebuchassem, gritassem, ninguém as ouviu... E, por mais que os
cês e pês dissessem, não saio daqui, daqui ninguém me tira, porque falo alto e
bom som, não sou mudo... ninguém lhes deu ouvidos...
Tudo
mal! Muitos alunos, se tivessem escrito como sempre fizeram, não teriam dado
erros e não teriam alguns pontinhos a menos...
Por
causa do acordês, fartei-me de ler asneiras nos exames: impato (impacto),
“Podemos causar um maior impato numa entrevista de emprego se tivermos muitos
conhecimentos linguísticos”; fato (facto), “... isto aconteceu pelo fato de os
marinheiros terem receio de não voltar a ver os seus familiares...”; contato
(contacto), “O contato com outras pessoas mais importantes...”; caraterística
(característica), “Trata-se de uma caraterística da nossa língua...”; contatar
(contactar), “Ele ao contatar com o Diabo...”...
Mas,
isto não é tudo! Os alunos andam tão baralhados que tiraram todos os pês e cês
que encontraram no seu caminho e colocaram acentos a torto e a direito em
palavras que não os têm... Vejamos: diréto, indiréto, objéto, adjétivo... E eu
consigo percebê-los muito bem, não havendo nada que nos indique que o E
é aberto e para que não haja dúvidas na leitura das palavras, vamos lá pôr um
acentozinho para toda a gente perceber que deve ler diréto e não direto
(dirêto)... É que afinal os cês e os pês fazem falta, muita falta mesmo! Se lá
estão para alguma coisa é! Directo não se lê da mesma forma que direto,
cabecinhas iluminadas!
É
de bradar aos céus! Está instalada a confusão! Agora toda a gente dá erros: os
que sabiam escrever e os que não sabiam!
Há
que agradecer aos iluminados que transformaram a nossa língua...
Será
que não há ninguém no nosso (des)governo com dois dedos de testa, com um
bocadinho de bom-senso... e que faça parar esta aberração?...
Lamento
que haja tanta gente sem opinião, que coma a palha que lhe dão e acredite em
todas as balelas que lhe dizem, que não tenha orgulho no seu maior
património, a sua língua...
Porque é que ninguém se revolta?
Porque se calam?... Porque se baixam?...
Que povinho este!
Porque se calam?... Porque se baixam?...
Que povinho este!
«Invejo
a burrice, porque é eterna.»
Nelson
Rodrigues
1 comentário:
Uma desgraça.
Mais uns meses e alguém do Ministério da Educação vai dizer que os erros ortográficos não contam... Ou coisa ainda pior...
Beijo, querida amiga.
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