Uns, com os olhos postos no passado,
Vêem o que não vêem: outros, fitos
Os mesmos olhos no futuro, vêem
O que não pode ver-se.
Vêem o que não vêem: outros, fitos
Os mesmos olhos no futuro, vêem
O que não pode ver-se.
Porque tão longe ir pôr o que está perto -
A segurança nossa? Este é o dia,
Esta é a hora, este o momento, isto
É quem somos, e é tudo.
A segurança nossa? Este é o dia,
Esta é a hora, este o momento, isto
É quem somos, e é tudo.
Perene flui a interminável hora
Que nos confessa nulos. No mesmo hausto
Em que vivemos, morreremos. Colhe
o dia, porque és ele.
Que nos confessa nulos. No mesmo hausto
Em que vivemos, morreremos. Colhe
o dia, porque és ele.
Ricardo Reis
O sujeito poético neste poemas diz que “uns” e “outros” são os que não são capazes de viver o presente. Assim, “uns” vivenciam o tempo, olhando para o passado, o que significa não ver a realidade, pois já não existe. “Outros” olham para o futuro e, por isso, também não vêem a realidade, uma vez que apenas existe na imaginação.
Neste poema o sujeito poético usa vários paradoxos para traduzir a impossibilidade e o engano a que são conduzidos aqueles que vivem da recordação ou da imaginação.
A relação que o sujeito poético estabelece com os "uns" e os "outros" é de perfeito distanciamento. Enquanto os "uns" só olham o passado - "os olhos só postos no passado" - os "outros" apenas se interessam pelo futuro - "...Fitos / Os mesmos olhos no futuro" -, atitudes que o sujeito poético condena, porque distorcem e falseiam a realidade. Assim, os primeiros "Vêem o que não vêem", enquanto os segundos "vêem / O que não pode ver-se", pondo em risco a segurança e a vivência do momento defendidas pelo "sujeito poético" - "Porque tão longe ir pôr (...) / A segurança nossa?".
O sujeito poético defende a vivência do momento numa perspectiva claramente epicurista, recusando a memória e o antecipar do futuro - "Este é o dia, / Esta é a hora, este o momento, isto / É quem somos, e é tudo". O sujeito lírico afirma, ainda, que o presente é a sua única certeza - "Porque tão longe ir pôr o que está perto - /A segurança nossa?" -, sublinhando a marcha inexorável do tempo - "Perene flui a interminável hora" - e referindo que o nosso destino é a morte (visão fatalista da vida) - No mesmo hausto / Em que vivemos, morremos." O estoicismo, tão característico da poética de Reis, não aparece aqui de uma forma explícita, mas o carácter triste e melancólico do poema é consequência da atitude cerebral e contida do sujeito poético.
O carácter exortativo do poema está ligado à transmissão de uma moral, ou seja, de uma arte de viver que o sujeito poético apresenta a um "tu", que devê-la-á adoptar. Assim, a exortação é conseguida através do emprego do imperativo - "Colhe" -, e da primeira pessoa do plural - "nossa", "somos", "nos", "vivemos", "morremos" - que implica a existência de um "tu" que segue os ensinamentos do "eu".
As repetições da segunda estrofe são constituídas pelo uso reiterado dos demonstrativos "este" e "isto" e pela forma verbal no presente do indicativo "é". O conjunto destas repetições evidencia a máxima que domina o poema: o carpe diem. Nada mais interessa, nada mais tem valor senão a vivência calma e contida do "dia, porque és ele.".
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