9. A prosa queirosiana
Discurso directo
Dissocia duas situações de enunciação (a citante e a citada).
É marcado, geralmente, pela presença de verbos introdutores do relato de discurso (dizer, afirmar, exclamar, etc.).
Na ausência de verbos introdutores do relato de discurso, é assinalado por recursos gráficos (dois pontos, travessão ou aspas).
Veicula, muitas vezes, marcas que contribuem para a caracterização do enunciador (classe social a que pertence, origem geográfica, etc.).
Funciona como uma citação, veiculando os valores de autenticidade, seriedade e objectividade.
Discurso indirecto
Apresenta uma só situação de enunciação: o discurso citado aparece subordinado à enunciação do relator.
Implica uma série de conversões a nível dos tempos verbais, das locuções adverbiais de tempo e de lugar e da categoria linguística de pessoa.
É introduzido por um verbo introdutor do relato de discurso.
Funciona como um resumo e implica interpretação do enunciado relatado.
Salienta o conteúdo (as ideias) da enunciação relatada e não a forma exacta como foi enunciado.
Discurso indirecto livre
Discurso híbrido, situa-se entre o discurso directo e o discurso indirecto.
Permite representar os pensamentos do enunciador citado, tal como acontece com o discurso directo.
Permite ao relator manter o seu estatuto de mediador, tal como acontece com o discurso indirecto.
Funde as vozes do enunciador citante e do enunciador citado numa só.
Eça de Queirós, para além de um apurado sentido crítico e possuidor de uma visão profunda da sociedade que tão bem descreve e analisa nos seus romances, é também rico em variedade e expressividade linguística.
Por um lado, o uso do discurso indirecto livre evita a repetição dos verbos introdutores do relato de discurso e aproxima o discurso da linguagem falada. Por outro lado, a sua utilização permite que o narrador reproduza as falas das personagens na sua própria linguagem, fundindo-se o narrador com a personagem.
Exemplo:
“Era assinar uma carta afirmando que tudo que fizera publicar na Corneta, sobre o Sr. Carlos da Maia e certa senhora, fora a invenção falsa e gratuita. Só isto o salvava.”
O adjectivo
O adjectivo é usado, frequentemente, por Eça de Queirós e desempenha um papel relevante na propriedade e riqueza de expressão.
Dupla e tripla adjectivação – “(...) os seus dois olhos redondos e agoirentos.””
Adjectivos com uma função caricatural e satírica – “Dâmaso era interminável, torrencial, inundante a falar das suas conquistas.””
Adjectivos que nem sempre se encontram seguidos (adjectivação anteposta e posposta) – “Os seus lindos dentes miudinhos alvejaram a sombra do véu.”
O advérbio
A prosa queirosiana explora o advérbio adjunto de modo, servindo-se não apenas da sugestão de continuidade, mas também explorando outras potencialidades expressivas.
Adverbiação dupla e tripla – “Insensivelmente, irreversivelmente, Carlos achou-se (…)”
Advérbio ao serviço da ironia – “O Eusebiozinho foi então preciosamente colocado ao lado da titi (...)”
Advérbio com valor metafórico – “molemente”
Advérbio formado a partir de um adjectivo – “pulhamente”
O verbo
Na prosa queirosiana, o verbo serve não apenas a narração, mas também a descrição e a própria caracterização das personagens.
Verbo usado com um valor hiperbólico - “(...) dor (...) que Pedro procurava afogar em lupanares e botequins (...)”
Verbos derivados de adjectivos de cor - “(...) negrejava, no brilho do sol, um magote apertado de gente (...)”
Verbos no gerúndio, atribuindo dinâmica descritiva - “(…) Portugal (…) e decente, estudando, pensando, fazendo civilização como outrora...”
Verbos usados com a função de caracterizar as acções e atitudes das personagens - “(...) Ega trovejou (...)”
O Neologismo
A riqueza da prosa queirosiana reside também na criação de novas palavras, como “gouvarinhar”, “cervejando”, “escaveirada”, entre outras.
Registos de língua
O emprego dos registos de língua familiar e corrente, por vezes, concretiza a função crítica.
Empréstimos
Eça recorre, muitas vezes, a anglicismos, isto é, vocábulos de origem inglesa, e a galicismos, ou seja, vocábulos de origem francesa.
O Diminutivo
Eça emprega o diminutivo para sugerir:
· pequenez - “(...) tinha uma cadelinha escosesa...”
· carinho ou ternura – “Está-se fazendo tarde, Carlinhos”
· ironia e depreciação – “Eusebiozinho”, “as perninhas flácidas”
Figuras de estilo
Aliteração - “um moço loiro, lento, lânguido, que se curvava em silêncio diante dela.”
Hipálage - “(...) o secretário Steinbroken (...) cofiava silenciosamente os seus longos bigodes tristes.”
Ironia - “-É possível - respondeu o inteligente Silveira.”
Sinestesia - “(…) e, muito alto no ar, passava o claro repique de um sino.”
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