domingo, 17 de junho de 2012

O Tesouro - Eça de Queirós


 Simbologia


Número 3 – três irmãos, três chaves, três fechaduras, três alforges, três empadões de carne, três garrafas de vinho, três maravedis– símbolo da totalidade, da perfeição, da família.

Água – símbolo da pureza, purificação, vida…

Inverno e noite, corvos – morte

Primavera – renascimento, vida

Ouro – perfeição e beleza


Ao lermos este conto sobressai de imediato a referência insistente ao número três, de todos os números aquele que carrega maior carga simbólica.
São, então, três irmãos -  o três é o símbolo da família — pai, mãe, filho(s). Mas aqui encontramos uma família incompleta, imperfeita — nem pai, nem mãe, apenas três irmãos. Não há, no conto, qualquer alusão aos progenitores dos fidalgos de Medranhos, como se eles nunca tivessem existido. Essa ausência é, de certo modo, o símbolo da sua falta na educação dos três irmãos. Sem a presença modeladora dos pais (ou de alguém que os substituísse), Rui, Guanes e Rostabal dificilmente poderiam desenvolver sentimentos humanos: vivem como "lobos", porque cresceram como lobos.
Os três irmãos não conseguiram constituir uma família verdadeira, apesar dos laços de sangue e de viverem juntos, não formam uma família, porque são incapazes de sentir o amor.
O tesouro está guardado num cofre . Um cofre protege, preserva, permite que o seu conteúdo permaneça intocado ao longo do tempo. A sua utilização é significativa do caráter precioso do conteúdo. Igualmente significativo é o facto de o cofre ser de ferro, material resistente, simultaneamente, à força e à corrupção. Três fechaduras — novamente o número "três" — preservam o conteúdo do cofre (Da curiosidade? Da cobiça? Da apropriação indevida?...), mas três chaves permitem abri-lo sem dificuldade. De notar que nenhuma delas, só por si, abre o cofre, mas as três em conjunto. O simbolismo aqui é evidente. Só a cooperação dos três proprietários permite aceder ao tesouro. É pela solidariedade, pela cooperação, pela convergência de interesses e esforços que é possível alcançar o "tesouro" por todos almejado. Foi apenas porque, momentaneamente, os três cooperaram, que lhes foi permitido contemplar o "tesouro". Mas, como não souberam manter esse espírito de cooperação, não lhes foi permitido possuir o "tesouro". E quando Rui expõe a estratégia a seguir, o número "três" volta a aparecer insistentemente (...três alforges de couro, três maquias de cevada, três empadões de carne e três botelhas de vinho.), como que a sublinhar o irredutível individualismo que os conduzirá à tragédia. Por outro lado, o ouro, material precioso e incorruptível, é ele próprio símbolo de perfeição. Obviamente, para além do seu valor material, simboliza a salvação, a elevação a uma forma superior de vida, mais espiritual, menos animal. É esse o verdadeiro bem, o verdadeiro tesouro. Os fidalgos de Medranhos vivem mergulhados na decadência material e na degradação moral. Não se lhes conhece uma actividade útil, um sentimento mais elevado, um afetco. Vivem com os animais e como animais. Mas para eles, como para todo o ser humano, há uma possibilidade de redenção. O "tesouro" está ali, à sua frente, é possível alcançá-lo; mas, para isso, é necessário enfrentar dificuldades, largar a cobiça, vencer o egoísmo, criar laços de solidariedade e verdadeira fraternidade. Frequentemente, na narrativa, a tragédia é anunciada antecipadamente por indícios, que as personagens ignoram, mas não passam despercebidos ao leitor atento. É o caso da cantiga que Guanes entoa ao dirigir- se à vila e continua a cantarolar quando regressa: Olé! Olé! Sale la cruz de la iglesia, Vestida de negro luto... A "cruz" e o "negro luto" são referências claras à morte que Guanes planeia para os irmãos. Mas ironicamente prenuncia também a sua própria morte. Nenhuma das três personagens é capaz de reconhecer esse sinal. Outro indício trágico são as duas garrafas que Guanes trouxe de Retortilho. Rui estranha o facto, mas não suspeita da traição. Se as personagens fossem capazes de interpretar esses indícios, poderiam fugir ao destino. Mas são incapazes disso e é desse lento aproximar do desenlace e da incapacidade das personagens para o evitar que resulta a dimensão trágica da narrativa.


Indícios trágicos

A ideia de final trágico / morte é sugerida desde o início e vai sendo continuamente sugerida ao longo do conto.


adjectivo negro / negra é repetido nove vezes no conto
Cantiga de Guanes
Duas garrafas para três irmãos
Bando de corvos que aparecem várias vezes ao longo da acção



Indícios  que indicam o carácter violento dos irmãos:

"E a miséria tornara estes senhores mais bravios que lobos."
"Mas Guanes (...) desconfiado (...) brutalmente:"
...


Indícios  que indicam o carácter de Rui:

"...o mais avisado,"
"Rui sorriu."
...

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