XXII
Como quem num dia de Verão abre a porta de casa
E espreita para o calor dos campos com a cara toda,
Às vezes, de repente, bate-me a Natureza de chapa
Na cara dos meus sentidos,
E eu fico confuso, perturbado, querendo perceber
Não sei bem como nem o quê…
Mas quem me mandou a mim querer perceber?
Quem me disse que havia que perceber?
E espreita para o calor dos campos com a cara toda,
Às vezes, de repente, bate-me a Natureza de chapa
Na cara dos meus sentidos,
E eu fico confuso, perturbado, querendo perceber
Não sei bem como nem o quê…
Mas quem me mandou a mim querer perceber?
Quem me disse que havia que perceber?
Quando o Verão me passa pela cara
A mão leve e quente da sua brisa,
Só tenho que sentir agrado porque é brisa
Ou que sentir desagrado porque é quente,
E de qualquer maneira que eu o sinta,
Assim, porque assim o sinto, é que é meu dever senti-lo…
Alberto Caeiro
O sujeito poético revela confusão e perturbação ao tomar consciência de que, ao sentir "a Natureza de chapa / Na cara dos meus sentidos", quer perceber o que realmente se passa consigo. O que devia ser apenas sentido e fruído passa a ser motivo de perturbação, porque o levou, embora que brevemente, aos actos de questionar e pensar.
As interrogações que encerram a estrofe transmitem o espanto que o sujeito poético sente de si próprio, ao constatar que se deixou levar pela tentação de "querer perceber". Apesar da forma interrogativa, estes dois versos transmitem assertividade, uma vez que está implícita a decisão tomada pelo sujeito lírico de não querer perceber.
Alberto Caeiro é o poeta da natureza, é aquele que a vive, compreeende e ama apenas através dos sentidos.
Quando o sujeito poético afirma que o Verão lhe passa "A mão leve e quente da sua brisa" sobre o rosto, leva o seu sensacionismo a um ponto máximo, uma vez que, para além de personificar a estação, a "reduz" a uma sensação física.
O carácter repetitivo do verso "Assim, porque assim o sinto, é que é meu dever senti-lo...", quer ao nível fónico (aliteração do "s"), quer a nível semântico (formas do verbo sentir), constrói o teor didáctico da afirmação nele contida. O único dever do sujeito lírico é sentir, e sentir de uma forma natural e descomprometida, liberta de qualquer sedução racional.
1 comentário:
Dá vontade de ouvir mais...
No final, transparece uma certa resignação. Porque existem fatos que o seu acontecimento já explica a sua existência.
Bom fim de semana!!
Beijus,
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