sábado, 10 de março de 2012

O namorado



Numa altura da sua vida, achou que era chegada a hora de ter um namorado, porque todas as suas amigas tinham, logo era normal que também ela tivesse! E mais, a prima tinha um e era bem mais nova do que ela! Não gostava de ninguém em especial, mas era imperioso ter um namorado. Porquê? Ora, porque sim!
Então, ao primeiro que se lhe insinuou, ao primeiro que lhe perguntou se queria namorar, respondeu, prontamente, que sim. Foi um fiasco! O rapazinho queria andar de mão dada, que lhe desse beijinhos, que fosse passear com ele… E ela? Ah, ela queria jogar à bola, à apanhada, ao ringue, ao eixo, ao mata, ao lá vai alho…
E pronto, ele depressa se fartou de ser trocado por um qualquer jogo! E depressa a trocou por outra menina. Ele tinha quinze anos, ela treze. Não ficou nada incomodada com o acontecido! Foi um alívio até!


Mais tarde, no 10.º ano, teve uma recaída. E que recaída! E esta bateu-lhe forte! Queria muito, muito, mas mesmo muito, ter um namorado, todas as suas amigas tinham... Oh! Mas, não podia ser um namorado qualquer, tinha de ser giro, se possível o rapaz mais bonito do liceu! E foi dizendo não a todos os que não cumpriam os apertados requisitos! Mais uma vez não gostava de ninguém! O amor ainda não lhe tinha batido à porta nem sequer à janela! Mas dava jeito ter um namorado que a levasse à sala de aula, que passeasse com ela de mão dada… Era preciso que todos vissem que ela era igual a todas as outras meninas e que também tinha alguém, como todas as outras...
E, um belo dia, apareceu o J., transferido de uma escola qualquer de Lisboa, mais velho do que ela e objecto de muitos suspiros, de muitos ais de todas as meninas do liceu... Bem, aquele sim, era o namorado com que qualquer rapariga sonhava: alto, olhos verdes travessos, pele dourada, cabelo escuro não muito curto, um sorriso maroto e algo trocista a bailar-lhe, permanentemente, nos lábios carnudos...
E ele escolheu-a a ela... e... está claro que ela aceitou logo, sem olhar para trás, quanto mais para o lado... Ficou toda contente, tinha o namorado mais cobiçado, mais bonito, mais atencioso… Mas, estava apaixonada por ele? Não. E ela que queria tanto estar apaixonada, que queria tanto sentir aquele amor de que falavam as amigas, os livros!...
Andavam de mão dada. Ele, sempre atencioso, levava-a à aula e despediam-se à porta da sala com um beijinho. Era objecto de muita inveja! Deviam dizer coisas do tipo “aquele pãozinho sem sal pescou o tipo mais giro do liceu” ou “o que viu ele naquela menininha do papá, que não parte um prato”.
Um dia, ela teve um furo e ele decidiu faltar à aula para irem passear para o parque (era ali que o liceu funcionava) e, de mão dada, lá foram. De repente, o J. parou, agarrou-lhe o rosto e deu-lhe um beijo na boca. Surpreendida, ela ficou a olhar para ele, ele sorriu trocista e perguntou-lhe se não tinha gostado. “Gostei”, gaguejou ela muito corada.
Passou a evitá-lo, parecia-lhe descabido andar com alguém só por andar, sem estar apaixonada... Mas, ele lá estava sempre à porta da sala à sua espera. Uma coisa era certa: tinha de lhe dizer que não estava apaixonada por ele! Mas como?
Uma tarde, foram dar uma volta pelo parque, mais uma vez de mão dada e ele encaminhou-se para o lado da mata. Ela, relutante, disse-lhe que não queria ir, mas ele insistiu, insistiu e insistiu... que havia um lugar lindo e que tinha de lho mostrar… Acabou por ir. Chegados ao local, perguntou:
- Não é lindo?
Olhou em redor, desconfiada. Mas sim, era lindo, o chão coberto de verde e pontilhado de flores azuis, amarelas, cor-de-rosa... as árvores de copas altas e frondosas filtravam a luz do sol… que, através da folhagem, reflectia mil cores…
Olharam-se. Ela tentou sorrir, mas achou-o esquisito: os olhos muito abertos, a respiração acelerada... Estendeu, de repente, o braço e com a mão aberta empurrou-a contra a árvore... Começou a beijá-la à bruta e a morder-lhe e a chupar-lhe o lábio inferior. As mãos dele não paravam de lhe afagar o corpo... Tentou soltar-se, empurrá-lo, mas ele atirou-a ao chão, para cima do tapete verde que rodeava a árvore e caiu sobre ela, como águia sobre a presa. A custo, conseguiu rolar e sair debaixo dele, levantou-se num ápice e desatou a correr, a correr, a correr... os olhos nublados e as lágrimas escorrendo pela cara. Só parou em casa. Correu para o espelho, tinha o lábio vermelho e inchado, as calças amarelas estavam verdes. Os cabelos num desalinho nunca visto, cheios de pedaços de erva... Despiu-se, pôs as calças de molho, tinha de as lavar antes de os pais chegarem. Meteu-se na banheira cheia de água quente e…
E acordou.


Mena

4 comentários:

Nilson Barcelli disse...

Este teu conto é um relato que deve coincidir com muitíssimos casos que acontecem na realidade.
Mas ainda bem que foi um sonho mau...
Só que há sonhos que s-ao bons...
Mena, querida amiga, tem uma noite boa com bons sonhos.
Beijos.

Mel de Carvalho disse...

Sou fã dos contos - têm uma função pedagógica muito importante. Pena que, nalguns casos, "as fadas não vão à escola" (nome de uma tese de mestrado da minha universidade que fala exactamente deste assunto ...)
Este (conto) até poderia ter acontecido, de tão detalhado e bem escrito, está. É um alerta à não banalização dos corpos. Ao cuidado com as relacções tipo "maria-vai-com-as-outras...".

Parabéns, Mena. É uma mulher multifacetada - da cozinha ao artesanato, passando pela escrita, na verdade, o seu blog merece leitura atenta.
(já tentei linkar mas não consegui... )

Voltarei. Uma boa semana para si,
beijo, grata
Mel

mfc disse...

Foi só um sonho... felizmente!!
E tantos "sonhos" verdadeiros desses acontecem por aí...!

Mona Lisa disse...

Um sonho que traduz muita realidade.

Beijos.