quinta-feira, 7 de julho de 2011

Adeus Gil!


O Gil deixou-nos. O Gil, assim como entrou, saiu da nossa família, de repente. Foi um grande amigo, um grande companheiro!
Vou sentir a tua falta, Gil! Sei que foste feliz connosco! Mas tu, Gil, fizeste-nos muito mais felizes!

Nós encontrámos o Gil, quando eu andava a fazer formação em fotografia. Saí de casa de máquina em punho e fomos por aí fora à procura de motivos interessantes para fotografar: borboletas, flores, folhas, paisagens...
Parámos perto de um pinhal para tirar algumas fotos a flores silvestres e eis que nos aparece um cãozinho, com cerca de dois meses, vindo do pinhal. Achei o bichinho tão bonito que lhe tirei uma série de fotografias. Os meus filhos começaram logo a brincar com ele e ficámos por ali durante algum tempo na brincadeira com o cachorro. Entretanto, chegada a hora de regressarmos a casa, entrámos no carro e o cãozito entrou também. Mandámo-lo embora, mas ele abanava o rabo e lambia-nos. Saímos do carro e procurámos, por ali, o dono do bichinho. Não vimos ninguém. Levámo-lo connosco até à povoação mais próxima e aí perguntámos se sabiam a quem pertencia aquele boxer. Ninguém conhecia o cãozinho. Os meus filhotes pediam insistentemente que ficássemos com o animalzinho, porque ele não tinha ninguém, que não o podíamos deixar no pinhal, porque podia morrer de fome ou podia vir para a estrada e ser atropelado, e por isto, e por aquilo e por aqueloutro...
Deixámos o nosso contacto num café. Poderia aparecer o dono. Regressámos a casa com mais um elemento. Nunca apareceu ninguém a reclamar o bichinho e os meus filhos ainda hoje dizem que o Gil nos adoptou, nos escolheu para sermos da sua família.
Por altura do europeu, ele fugiu no dia do jogo Portugal - Inglaterra. Saltou o muro, porque teve medo dos foguetes. Nós tínhamos ido comemorar a grande vitória e quando voltámos, ele tinha desaparecido. Corremos toda a aldeia, perguntámos a toda a gente, vimos até dentro dos caixotes do lixo (podia ter sido atropelado e colocado aí!). Nada. Tinha-se evaporado. A minha filha chorava. Ela tinha um carinho especial pelo Gil. Cresceu com ele. Estávamos desolados. Coloquei fotos dele por todo o lado: nos cafés, na junta de freguesia, na escola... E Nada. Era horrível chegar a casa e não ter ninguém à nossa espera! Ele vinha sempre receber-nos ao portão, de rabinho a dar a dar e com aquele olhar tão ternurento, aquela testa franzida. Os dias passavam-se e já estávamos quase a desanimar, quando nos disseram que um senhor tinha em sua casa um boxer e que andava desesperadamente à procura dos donos ou de alguém que o quisesse, porque não podia tê-lo junto com o seu, porque brigavam. Fomos logo a correr, mas quando lá chegámos, o senhor disse-nos que o tinha levado para o canil municipal e que se não aparecesse ninguém, entretanto, a reclamá-lo, seria abatido. A minha filha desatou a chorar, não podem matar o Gil, ele não fez mal a ninguém, ele é meu amigo. O senhor prontificou-se a ir connosco ao canil. Pedímos a Deus que fizesse com que não fosse tarde demais. Chegados ao canil, começámos a chamá-lo, era de noite, não se via nada, não se ouvia nada, ele não respondia. Começámos a temer o pior: abateram-no!
A minha filha começou a chorar e a gritar por ele, não queria ir para casa, queria o Gil. E foi aí que ele reconheceu o choro da Margarida e começou a ladrar e a raspar na rede do canil, queria sair e ladrava, ladrava, atirava-se contra a rede. Conseguimos abrir a porta. Ele saiu. Deitou-se aos pés da minha filha e lambeu-lhe as lágrimas todas. Chamámo-lo para dentro do carro, mas ele sabia que eu não gostava que ele fosse nos bancos. Então fugia para trás do carro e sentava-se à espera que lhe abríssemos o porta-bagagens para ele saltar lá para dentro. A caixa estava cheia de ferramentas e ele podia magoar-se. Voltámos a chamá-lo e ele olhava-nos com aquela testa toda franzida e aquele olhar muito doce, parecia perguntar "Mas agora querem que entre para aí". Tivemos de pegar-lhe ao colo e levá-lo para dentro do automóvel, deitou a sua cabeça no colo da Margarida e ela fez-lhe muitas festinhas. Ele, de vez em quando, levantava a cabeça e olhava-me como que a perguntar "Hoje não ralhas por eu estar aqui?"

Agora, deixou-nos, tal como veio, de repente. Saí de casa para ir entregar os exames. Acompanhou-me ao portão. Disse-lhe adeus, como sempre e, desta vez, para sempre. Quando regressei, estava deitado. Pensei que estivesse a dormir a sesta. O meu marido disse-me, Mena, o Gil morreu.
- Como? Ele estava bem. Quando saí, foi comigo até ao portão.
- Estava a regar, disse-lhe que saísse dali para não o molhar. Acabei de regar, vi-o deitado, fui ter com ele. Estava a respirar e, de repente, morreu. Foi uma morte santa!
Eu sei que ele estava velhinho. Ele cresceu com a minha filha. Ela tem dezasseis anos.
Eu nunca pensei que fosse sentir-me assim! Já não consigo ver as teclas. As lágrimas teimam em cair...
O Gil nunca mais me vai esperar ao portão! Nunca mais me vai olhar com aqueles olhos doces! Nunca mais me vai franzir a testa! Já não me levará mais ao portão! Jamais se empoleirará no muro para nos ver chegar ou partir! Nunca mais me enrolará o tapete da frente da porta! Nunca mais me espezinhará as alfaces! Nunca mais me lamberá as mãos e os pés!...



Nunca te vou esquecer!


2 comentários:

Mona Lisa disse...

Olá Mena

Deixo-te aqui o meu abraço apertadinho.

Bjs.

Rui Correia disse...

Um beijo amigo da Cecília e do Rui Correia. É preciso coragem para ser capaz de recordar que esteve por um triz que o Gil vos não tivesse. Mas teve. E foi feliz por tudo quanto vós lhe destes. E pagou na mesma moeda. Fostes felizes por causa dele. Sofrer por uma memória tão feliz só pode ser um privilégio. Claro que é um cão. Talvez ainda por isso mesmo custe tanto. Falo de experiência.